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20 .... Opiniões 2002 artes
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Velhos Amigos

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Foto: Lorca
Aldemir Martins, em seu atelier na rua Paracuê, década de 90


"Amigos de longa data, Octávio Araújo, Marcelo Grassmann e Arcangelo Ianelli seguem o percurso de Aldemir Martins desde sua chegada em São Paulo em 1946. Abaixo, em breves palavras falam do amigo e do artista.

Aldemir: O homem e o artista

É muito difícil falar do Aldemir Martins apenas como artista. Isto porque é uma criatura extraordinária, alguém alegre, comunicativo, amigo e sobretudo humano. Onde quer que esteja, monopoliza as atenções com a sua presença de exuberante vivacidade.

Tenho certeza de que Aldemir jamais teve um inimigo. Ao contrário, é pessoa muito querida e admirada: não há quem não o estime como homem e companheiro. Um artista que lutou arduamente durante a vida, vencendo empecilhos com um trabalho intenso e persistente. Dedicando- se inteiramente à sua arte, professou uma lição de tenacidade irrecusável. Seus desenhos marcaram qualidade na ocasião em que obteve o Prêmio da Bienal de Veneza. Foram traços firmes, decididos, inventivos, que caracterizaram personagens do cangaço através de uma execução magistral da sua expressividade. Em uma de suas últimas mostras no Museu de Arte de São Paulo (MASP), apresentou uma série de desenhos admiráveis. Aldemir é um artista que sabe priorizar o trabalho de pesquisa e reserva o seu tempo de produção à inquietante busca a um melhor aprimoramento. Ampliou suas atividades no campo da cerâmica, pintura e objetos industriais, conservando sempre a sua personalidade própria, imediatamente reconhecível no resultado de cada um de seus percursos escolhidos.

Permaneceu indiferente aos movimentos passageiros, fiel a si mesmo, sem sofrer nenhuma influência que o desnorteasse do caminho em direção a uma coerência e dedicação obsessivas."

Arcangelo Ianelli
São Paulo, janeiro de 2002



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Foto: Gui von Schmidt
Aldemir Martins, outubro de 1998, Projeto Ford Ka

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"Minha querida mãe Honorina – dona Senhora, para os parentes e pessoas mais próximas – quando eu ia visitá-la sempre me perguntava: “E aquele ‘menino’ Aldemir, tão atencioso e brincalhão, com cara de índio, que é dele?” Muitos anos depois, então já bastante enferma, a doce velhinha cabocla, baiana de Nazaré das Farinhas, em várias oportunidades jamais deixou de me perguntar: “E Aldemir, aquele seu amigo alegre e simpático, que é dele?” Minha finada mãe era uma cabocla com sangue pataxó. Daí que, até hoje, fico a me perguntar que emaranhado de liames invisíveis carregam os brasileiros pelo rumorejante rio primevo da alma americana, que vasos comunicantes são esses, capazes de provocar a simpatia quase instantânea de dois nordestinos, de duas gerações distintas, em cujas veias corre o generoso sangue autóctone ameríndio? Fico a imaginar a intensa, porém discreta, alegria de dona Senhora se ela tivesse vivido mais tempo com saúde para poder tomar conhecimento do vitorioso caminho percorrido pelo “menino” Aldemir, ilustre cearense de Ingazeiras, no cenário artístico nacional e internacional.

Aldemir Martins, filho das terras de Iracema, cidadão paulistano, cidadão brasileiro, cidadão do mundo, é a grande expressão de nossa arte, o mais completo desenhista que o Brasil já viu nascer. É, dentre nossos melhores talentos gráficos, aquele que, com mais prodigalidade e perspicácia, realizou, do ponto de vista da expressão estética, os ideais populares do inconsciente coletivo da terra brasiliense. Aldemir é a antena de sintonia fina da nacionalidade brasileira em formação.

Em que pese a empatia vocacional de Aldemir Martins com o universo físico, anímico e mítico do Brasil, isso jamais o divorciou das manifestações e acontecimentos culturais mais significativos fora de nossas fronteiras. Como bom cearense que é, sempre ligado às suas origens, ele estende suas antenas ultrasensíveis pelos quatro cantos do mundo, bebe das culturas exóticas e incorpora ao seu cabedal plástico-poético só aquilo que sua sensibilidade seletiva reconhece como patrimônio comum da humanidade. Dessa interação intuitiva nasce sua arte extremamente original e decantada, sem impurezas, uma amálgama de arquétipos que vão desde os modelos da produção popular do Brasil e das Américas, até as referências da Europa, da África e da Ásia.

Eu não poderia terminar este breve depoimento (em forma de louvação, sim), sem sublinhar um traço essencial e muito importante do perfil humano de Aldemir; sua nobreza de caráter, sua generosidade e sua lhaneza no trato com o próximo, seja este um simples servente assalariado, ou alguém “importante” por seus méritos ou fortuna. Ele é um fidalgo promotor de amizades e, que eu saiba, nunca teve desafetos.

Os desenhos e pinturas de Aldemir Martins são um maná dos deuses para o espírito de quem gosta de arte e uma festa feérica para os olhos e a alma de seus admiradores, os quais, como eu, têm o privilégio e a imensa alegria de poder guardá-lo no lado esquerdo do peito como um fraterno amigo."

Octávio Ferreira de Araújo

São Paulo, 28 de janeiro de 2002


"Ser amigo do Aldemir por mais de 50 anos não é vantagem já que passei dos setenta, sou portanto um dos privilegiados. Nas lembranças de todos estes anos Aldemir está sempre presente e minha admiração pelo artista e amigo só fez crescer. Enfim falar de amizade por Aldemir é redundância.

Não conheço ninguém que não lhe queira bem. Fico comovido toda vez que eu o encontro trabalhando no seu atelier com o mesmo vigor de sua juventude. Confesso que tenho inveja desse moço."

Marcelo Grassmann

São Paulo, fevereiro de 2002

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