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8 .... Entrevista Anos 80 artes
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Os Seis Melhores

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caranguejo, água-forte, 54 x 38 cm, 1982

anos atrás. Naquela época era coisa de 3 milhões de cruzeiros, uma coisa enorme. Todos os arquitetos do Brasil concorreram.

Ganhou um querido amigo que respeito e que gosto. Tirou o primeiro prêmio. Mas na hora de dar o brinde na fábrica, na inauguração, veio o relações públicas correndo no meu estúdio, dizendo, pelo amor de Deus, me faça um azulejo! Para ser executado dentro de três dias, pois o azulejo de fulano não pode ser feito, porque está dando o maior problema. Era complicado para os pedreiros fazerem.

Sabe aquele negócio de amarração... então era difícil, porque tinha seis linhas e nenhum pedreiro conseguia colocar as seis linhas em linha reta. Aí eu tive que fazer o azulejo em três dias, desenhar prá dar de brinde. Já com o caju a coisa muda de figura. O caju tem a vantagem sobre as outras frutas. Tem aquilo que o povo gosta, a história. O caju é caju amigo, é o símbolo da contagem do tempo, é o símbolo de uma época da cultura brasileira. Sabe, aquela coisa da guerra do cajú. O Brasil nunca completou o ciclo, né !? Acontece uma coisa, um fato novo e modifica. Quando a guerra do caju aconteceu, o Brasil foi descoberto.

artes:: O que é o caju enforcado?

Aldemir:
Pendurado em cima da jaca. O caju amigo é uma festa que se fazia. O caju se come, dá castanha na entressafra. Nessa época você usa a castanha do caju como massa, você usa o próprio caju azedo, como vinho, como bebida, como comida. Você chupa o caju e o bagaço, você corta e frita como se fosse camarão. Quer dizer é uma coisa de louco, né?! Você tem tudo o que possa imaginar com o caju. Assim como a carnaúba. São dois produtos brasileiros que dão aproveitamento total. A carnaúba chama-se árvore da vida por causa disso. Porque serve de remédio purgativo contra a sífilis, chá, torrada, serve como café, serve para fazer casa, chapéu, sandália, esteira...

Você dorme, serve para enrolar morto, o palmito, serve para construir a casa...

artes:: Talvez você não tenha lembrado, a cera de carnaúba serviu para restaurar a Pietá de Michelângelo...

Aldemir:
É verdade. Mas acontece que os artistas brasileiros não sabem disso. Se você perguntar o que é carnaúba, eles não sabem que palmeira é essa. Porque não tem nenhuma curiosidade pelo Brasil. É aquilo que eu digo, a Europa está toda nos livros. O Brasil, nós temos que descobrir, temos que fazer, não é verdade? Então você tem o Brasil nos livros, o Brasil acampado, o Brasil justo, mas o artista brasileiro tem vergonha de ser brasileiro. Tudo que acontece com Rauschenberg, tudo o que acontece com Andy Wharol, tudo que acontece na Tamarindo, tudo que acontece na Fiac, tudo que acontece em Kassel todas essas coisas ele conhece. Agora, aonde está o Víctor Meirelles, o que ele fêz, as injustiças que ele sofreu, não é verdade? Aonde está o Visconti... Não é verdade? Dizem logo, é pintor acadêmico.

artes:: Que importância teve o Alexandrino...

Aldemir:
O Benedito Calixto foi um dos poucos artistas da época do clássico brasileiro que se preocupou com a natureza morta nacional!

artes:: Almeida Jr., o homem que foi estudar em Paris, volta e pinta Piracicaba!

Aldemir:
Exatamente. Esse negócio de vida de Paris todo mundo conhece... O importante é pintar goiaba, flor de cactos, frutos bra- sileiros, dentro da nossa realidade.

artes:: Foi o que fêz o Aleijadinho...

Aldemir:
Aleijadinho botou tudo. Então, essas coisas o brasileiro tem muita vergonha de fazer. Eu não tenho, digo, nunca tive vergonha de ser brasileiro, de ser mal-educado, de ser grosseiro, grosseiro não, eu sou mais é rude... Mas isso tudo nunca me incomodou. Eu sempre quis fazer e sempre fiz. Aprendi. Aí aquela história: dentro disso, eu tenho o refinamento de homem de cultura superior. Sei diferenciar um vinho branco, sei escolher um vinho tinto para beber, sei comer.

Gosto de me vestir com gosto. Me vestir a inglesa? Lembro de um artigo assim. O que é a elegância inglesa? Porque o inglês é um português que perdeu o bigode, né?! (risadas) A elegância inglesa é da pirataria, né Carlos?

artes:: Que Oscar Wilde não nos ouça! (risadas)

Aldemir:
Então a rainha Elizabeth, que deu o grande destaque à Inglaterra, o deu através de seus piratas. Desde o Barba Negra até o Almirante...

artes:: Nelson, o que destruíu a armada francesa em Trafalgar, em 1805.

Aldemir:
É isso. Então, a roupa deles é roupa de pirataria. Cheguei no Playboy de Londres e estava um sujeito todo vestido de preto ao lado de um cara de casaca ao lado de outro que veio do jogo de cricket, com seu paletó branco e sapato branco, pullover branco enrolado no pescoço.

artes:: À vontade... um à vontade elegante!

Aldemir:
À vontade. A elegância é estar como você se sente bem.

artes:: Eu vi na sua exposição toda aquela gente que frequentava, nos anos 50 o Bar do Museu. Eu queria exatamente chegar a esse pessoal todo que estava lá, que seguiu você, que viu, como eu vi. Qual a diferença que você pode estabelecer entre 50 e 80?

Aldemir:
Em 50 nós éramos mais aglutinados. Não digo unidos, mas aglutinados. Então nós íamos exatamente discutir tudo aquilo que a gente tinha na cabeça no Bar do Museu de Arte do Bardi, ver as exposições do Museu de Arte do Bardi, porque eram importantes.

artes:: Importantíssimas! Aldemir: Nós vimos Max Bill quando os Estados Unidos não conheciam Max Bill. artes:: Nós vimos aqui Guernica na Bienal do MAM.

Aldemir:
Nós vimos os expressionistas alemães antes da América do Norte em 47. Então essa coisa toda do Bardi era de uma importância capital. A parte didática que ele fez foi super importante. Eu fiz um curso de história da arte com o Bardi que era um curso maravilhoso. Eu, o Marcelo, o Grassaman e o Camerini. Quando foi para instalar o Museu, o Bardi queria que os jovens artistas fossem os monitores do museu. Aí comecei a fazer curso de gravura, dar curso de gravura para crianças. Foi uma experiência maravilhosa. Linóleo... Sabe o que é ter setenta meninos naquela aula??!

artes:: Você não vê isso hoje.

Aldemir:
Hoje não tem. Não tem porque, inclusive as mães não estão interessadas em que os filhos aprendam arte, pelo contrário.

artes:: A que você atribui esse desinteresse das mães, das pessoas, hoje?

Aldemir:
Eu acho que é a correria da vida deles. Estão muito preocupados em saborear a vida rapidamente, no momento, sem se preocupar com ninguém. É um egoísmo muito grande das pessoas.

artes:: Você dedicou a exposição a São Paulo. É claro que você mentalmente também usa uma camiseta com “I love São Paulo”.

Aldemir:
Lógico. Eu digo “para” São Paulo. Por isso vou te contar um detalhe. Eu sou muito mais carioca no modo de viver, no modus videndi do que paulista. Eu não tenho aquela sobriedade, aquele caráter tranquilo do paulista, aquela observação, aquele julgamento, pois o paulista é mais um juíz do que um réu, não é verdade? (risadas)

artes:: Eu tenho a impressão de que isso já está acabando...

Aldemir:
Mas eu cheguei no Rio de Janeiro e vi que aquilo tudo era falso. Prá ser funcionário público, vou para o Ceará, prá ser do meu pai, que lá tenho casa e comida garantida e posso ser um homem milionário. Não rico, mas milionário. Com o dinheiro que eu vou ganhar, não pagando casa e comida, todo dinheiro é demais, é ou não é? Então eu vou voltar para o meu pai. Aí vim para cá e descobri que tinha um mundo diferente no Brasil. Um mundo de trabalho, um mundo de caráter, em que as pessoas se esforçavam para ser profissionalmente aquilo que elas gostariam de ser. Então eu encontrei um sujeito chamado Mário Neme, um escritor do maior quilate, um homem que fêz o linguajar caipira paulista. Todo mundo esquece quando cito essas coisas. O Mário tem dois ou três livros da maior importância. Ele deixou de escrever porque o Oswald de Andrade, uma vez, o chamou de turquinho que não devia saber português. Aí o Mário se chateou tanto que começou a fazer pesquisas históricas.

artes:: Aliás, o que o Oswald conseguiu capar assim não tem tamanho.

Aldemir:
Aliás é o castrador mór, né? Daí, eu poria aquele negócio, de que eu tenho a impressão de que o homossexualismo do Oswald vinha muito à tona nessas castrações das pessoas que ele encontrava, com maior capacidade do que ele para fazer as coisas, de fazer não, de criar. Porque é aquilo de que estávamos falando, aquela coisa de executar e criar, a cabeça pensar e a mão não executar, é muito importante. Oswald era um criador terrível, mas péssimo executor, não é? Ele devia ter deixado pelo menos a continuação dos “Condenados” muito melhor, muito mais biograficamente bem feita. Porque tempo ele tinha, não é, dinheiro ele tinha, tinha tudo, então tudo era fácil. É aquilo que estava faltando antes da Tarsila. Que a sua produção é muito pequena dentro do tempo que ela viveu e da ociosidade que ela tinha para ser artista. Ociosidade para ser artista. Disponibilidade. Ociosidade que nós não temos, né? É aquele problema. Nós saímos, eu, o Marcelo, o Otávio, o Camerini e o Mário Gruber, para ilustrar no Diário de São Paulo, confiando plenamente nos 60 cruzeiros que nós íamos receber para dividir por quatro. Era uma conta difícil. A gente dividia por quatro!

artes:: Como que a crítica encarou e encara o seu trabalho nesse período todo?

Aldemir:
A crítica me acompanha, “mas não me gosta”... porque eu sou contra o discurso artístico. Essa coisa de ficar discutindo o sexo dos anjos, a penugem na cabeça das tartarugas, aquele negócio todo, porque Carlos, a metade da crítica nunca viu um museu! (risadas) É verdade! Eu estava falando com um crítico e disse assim: – “... pois é, quando eu estive em Boston...” e ele: “Museu de Boston”... (risadas)

artes:: Tem Duchamp!

Aldemir:
Aí eu disse: “Olha, em Boston tem o melhor museu oriental fora do Japão, tem o melhor museu de História Natural, o que é uma das coisas mais raras que você pode imaginar. Tem Aldemir? (risadas) História Natural? (gargalhadas) Tem todas as frutas da América, feitas em vidro. Era um cara da Tchecoslováquia, que ficou rico na América e mandava para os irmãos, que trabalhavam na fábrica de vidro da Tchecoslováquia, as frutas. Mandava maduras, mas chegavam depois da longa viagem de navio, pretas. Mas é maravilhoso porque chegava lá tudo preto, podre, a banana, o abacate... Então o abacate de Boston, a banana, são pretos! Tem aquele negócio que ia ser o salão Peacock, que é o Salão Paris em ( continuação na página 9 )


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