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artes Opiniões 2002 .... 19
artes

Umberto, o anjo da guarda

artes
Menino de canudos, bico-de-pena, 77 x 57 cm, 1967, coleção Cora Pabst



Ao contrário dos recém formados em arquitetura, Umberto Mateus não foi estagiar em empresas de arquitetura. Seu destino foi outro. Ateliê de artista. Teve a sorte desse ateliê ser de Aldemir Martins. Desde 84, Umberto acompanha Aldemir. Abaixo, em pinceladas rápidas, as impressões de Umberto. Aqui, a expressão corda e caçamba cabe, procede. CvS


artes:: Umberto, em que ano você chegou ao ateliê do Aldemir. Como foi que você o conheceu?

Umberto:
Foi em 84. Uma amiga da faculdade trabalhava com o Newton Mesquita, amigo do Aldemir, e eu frequentava muito o ateliê do Newton. Acho que deixei transparecer para ele o quanto me interessava por tudo que ele fazia. Um dia, o Newton ficou sabendo que o Aldemir estava precisando de uma pessoa para trabalhar com ele. Me chamou e me levou até o ateliê do Aldemir. Foi então que fomos apresentados pessoalmente, embora eu o conhecesse de nome desde 1970.

artes:: Que faculdade você fez?

Umberto:
Fiz faculdade de arquitetura e urbanismo em Santos. Formei-me em 84.

artes:: Como foi o primeiro contato com o Aldemir.

Umberto:
Eu me lembro exatamente até hoje. Foi no dia 30 de maio de 84. Como disse, o Aldemir estava precisando de alguém para trabalhar com ele. O Newton já tinha me preparado; eu deveria entrar aqui no estúdio pronto para ser apresentado para uma pessoa muito brincalhona que conhecia desde o engraxate da rua, até o presidente da República. A primeira imagem que eu guardo do Aldemir é a mesma até hoje. Uma pessoa muito acessível, que deixa as pessoas muito à vontade.

artes:: O que ele disse que você iria fazer? Que tipo de trabalho ele lhe deu? Chegou a dizer: isto, à partir de agora, é responsabilidade sua?

Umberto:
Na época, ele trabalhava com o Mário Handa – que já faleceu. O Mário ficou comigo aproximadamente um mês, passando exatamente o que eu teria que fazer, como deveria administrar o estúdio... Eu seria o assessor administrativo. Tentaria tirar das costas do Aldemir, todo e qualquer tipo de problema para que ele pudesse se preocupar apenas com a pintura.

artes:: E de 84 até hoje. Como as coisas andaram? Como é o Aldemir e como é a convivência de vocês?

Umberto:
Parece até piegas falar mas é maravilhosa. Todo este tempo foi uma evolução para mim. Me sinto praticamente parte da família. Aldemir, Cora e eu já fizemos viagens para fora de São Paulo, fora do Brasil... Certa vez, ele, sua filha Mariana, seu neto e eu passamos uma semana em Fernando de Noronha. Enfim, a nossa convivência dentro e fora do estúdio é, e sempre foi, a melhor possível.

artes:: O que irrita o Aldemir?

Umberto:
Falta de dinheiro.

artes:: As pessoas frequentam o ateliê, o Aldemir vive dando entrevistas, recebendo, saindo para almoços, jantares... Como você administra tudo isso?

Umberto:
Sempre fui instruído por ele no modo de proceder. Então, tudo acontece natural e profissionalmente. Nunca tivemos problemas com isso. Eu agendo os compromissos principalmente dentro do horário que o Aldemir estipulou para receber as pessoas senão, ele fica sem um horário só para ele. Normalmente o Aldemir chega, pergunta o que tem marcado para a semana e eu faço um relatoriozinho dizendo que em tal dia tem entrevista, fotos, se é aqui no estúdio, se é em outro lugar... É assim que acontece.

artes:: Você participa, vê tudo o que acontece aqui. Vê como nasce uma pintura, quando ela termina e até a hora em que ele a assina. Como o Aldemir trabalha?

Umberto:
Isso é uma grande curiosidade. As pessoas sempre perguntam quanto tempo o Aldemir demora para pintar um quadro? O Aldemir tem a capacidade de pintar um quadro rapidamente, se ele quiser. Ele cria em cima de qualquer pedacinho de papel. Um rabisco se torna um gato ou um vaso de flor. Ele guarda esse rabisco nos seus pertences, dentro de uma gavetinha. Depois, com o tempo, ele revê aquele rabisco em que enxergou um gato e passa para a tela. Desenha primeiro e em seguida começa a pintar. A própria tela é o godê. Ele não tem uma palheta, como as pessoas acreditam que um pintor deva usar. Ele vai colocando a tinta na hora, em cima da tela e dali vai surgindo a pintura.

artes:: Quanto tempo é necessário?

Umberto:
O Aldemir poder fazer uma obra em um dia. Mas ele acha que, de um dia para outro muita coisa muda. Por exemplo a luz, o espírito dele... Num dia ele acha que está muito claro, no outro está muito escuro. Ele sempre começa uma tela e nunca termina no mesmo dia. Às vezes, ele começa até mais do que uma obra ao mesmo tempo. Numa tela desenha o fundo de um quadro que vai ser um vaso de flor, em outra pinta uma figura que poderia ser um gato ou um fundo que pode virar uma marinha e assim por diante. Este tempo é muito específico para cada obra, não é uma produção padronizada.

artes:: Como é o seu contato com as galerias, com os compradores? Como isso funciona?

Umberto:
Desde o início o Mário Handa me disse como seria o contato com as galerias. O Aldemir sempre teve um bom mercado então, a procura sempre foi maior por parte das galerias. Eu aceito da forma mais simples. Basta um telefonema dizendo – “Estou interessado em adquirir algumas obras do Aldemir” – de preferência marco um encontro aqui no estúdio. O Aldemir está sempre presente e a partir daí é feita a negociação. Se a obra já está pronta e a pessoa gostou, paga e leva na hora, sem problemas. Às vezes, o Aldemir pega uma obra por encomenda e entrega no prazo combinado. As pessoas acham que isso não deveria ser feito, mas é uma coisa muito natural. Se a galeria tem um cliente para um gato, não adianta oferecer um vaso de flores!

artes:: Qual seria uma das características mais marcantes do Aldemir?

Umberto:
Sem dúvida nenhuma seu bom humor. Uma vez, chegando da Bahia, ele trouxe um cartaz com o lema da casa de Jorge Amado que dizia: “Se é de paz, pode entrar”. Ele mandou emoldurar o cartaz e colocou ali na porta, onde está até hoje. O Aldemir é uma pessoa muito acessível, tem um humor que eu jamais vi em nenhuma outra pessoa. Nada o abala. É desta forma que ele trata a todos. De bom humor. Ele está sempre muito feliz.

artes:: É você quem compra as tintas, as telas?

Umberto:
Sou responsável por todo o material que ele usa. Já passamos por vários tipos de fornecedores. As tintas, o material para as embalagens, o transporte das obras que, quando saem daqui, vão para o Brasil inteiro. Tudo isso é minha responsabilidade.

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