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Foto: Cláudio Pinheiro - Arquivo Aldemir Martins
Aldemir Martins em seu ateliê, São Paulo, 1995

“Esta luz, há duas maneiras de captá-la: nas sombras, com o céu velado, ou a pleno sol, com o azul claro, cegante. Tanta luz que a cor se esconde e se iguala e se dissolvem as formas dos objetos. Há que procurar uma sombra a recompor as coisas e as cores.

Uma passagem do sol à sombra como defesa e método para enxergar o sertão desta luz.

Agora, veja: um pintor do sertão na cidade de São Paulo... espécie de sombra, excessiva talvez, para ajudar as pupilas e a cabeça do pintor a recompor suas cores e coisas.

E a recompor ossaturas cujos ângulos esticam a pele e a pouca carne de seres e paisagens.

Geometria de articulações, de juntas ossudas e de cortes secos nos planos, mapeamento da agreste geologia que se organiza sobre as plantas, as roupas e couros de bichos e pessoas. Ou que disfarça estes bichos, paisagem e pessoas, espécie de couraça como a armá-los em defesa e ataque, armadura de cores e lâminas e arestas sobre seus corpos severinos. (O cangaceiro de cara tão feia, seca e mirrada dentro de seu opulento aparato marcial de couro e bandoleiras e estrelas e anéis amarelos e azuis intensos – tatu – “armadillo” dentro de sua casca articulada.)

Disfarces, armaduras, adornos a compensar a escassa sedução ou ameaça da carne e da figura.

Paisagem avara livrando a custo e às escondidas a flor de cacto de cor viva no campo hostil de luz empoeirada. Roupas, manchas, bordados, rendas, estamparias, couros, tatuagens, geometria vária que veste com alegria (e até ironia) ou mesmo amortalha com desesperada veste solar as figuras, as tintas e a festa destes quadros.”

João Câmara



“Neto de avó tapuia, filho de um modesto funcionário de pequena estrada de ferro do Ceará – que antepassados seus lhe terão transmitido a vocação plástica? Estou inclinado a pensar que os mais remotos ancestrais artísticos de Aldemir podem bem encontrar-se entre os desenhistas da Pré-história que deixaram nas paredes das cavernas de Altamira tão admiráveis figuras de animais. Lembro-me de ter visto a fotografia de um remotíssimo parente dos bichos do desenhista cearense.

Os primeiros trabalhos de Aldemir que tive a oportunidade de ver, me surpreenderam pela sua extraordinária qualidade decorativa e pela novidade da fatura. Lá estavam seus gatos, galos e peixes traçados a bico de pena, nanquim sobre papel branco, num desenho caprichoso, duma finura de renda, contrastando com a relativa simplicidade da estrutura das formas. E o curioso é que essa delicadeza quase feminina não enfraquecia, antes acentuava o vigor viril das figuras.

Os motivos dos desenhos desse moço de Ingazeiras eram de caráter regional e folclórico, com um alto quociente de pitoresco. Lá estava o Nordeste com sua paisagem magra e áspera, seus homens minerais – pedra e cobre – suas rendeiras, seus vaqueiros, suas divindades de origem indígena e africana e suas frutas doces e perfumadas, dessas que “às vezes apodrecem antes mesmo de amadurecer”. É possível e até mesmo provável que um homem incessantemente esporeado por uma curiosidade insaciável, como Aldemir Martins, um desenhista que na infância se encantou com as “nódoas da banana e do caju na roupa da gente, fazendo desenhos belíssimos” acabe fazendo repetidas incursões no campo do abstracionismo. Se isso acontecer (acho até que já aconteceu) só espero que nessas viagens aventurosas Aldemir não esqueça de levar consigo aquela bússola cuja agulha aponta sempre para o Norte de suas origens.”

Érico Veríssimo



“O homem é vasto, vivido, gerador; santo nunca foi. Mas o importante é que ele soube deixar-se fluir pela intuição dos elementos da realidade do seu meio ambiente cearense, eventualmente aceitando que a razão interviesse, mas apenas na ordenação formal da obra. As etapas seguintes foram os reencontros com as origens e a grandes fases da sua natureza forte – do másculo espaço inicial ao do tempo – e a consequência de uma vaidade no essencial da unidade.”

Jayme Maurício



“O primeiro gesto que o tornou famoso foi a linha rude, quase retilínea, que descrevia os também rudes tipos do seu Nordeste, particularmente o cangaceiro. Outros vieram depois – gatos, galos, peixes, figuras femininas – sempre surgidos de um esquema linear, no qual a silhueta e o desenho interior fortemente acentuado se integravam totalmente, criando o estilo Aldemir Martins – um dos mais fortes e pessoais que o desenho brasileiro já conheceu. Aldemir poderia continuar seus temas e sistemas formais até a exautão, sem que sua arte perdesse com isso – tal a força que dela emanava. Mas o amor nordestino pela cor, insidiosa e irresistivelmente, introduziu- se em seus desenhos e gravuras em preto e branco, até que eclodiu, como uma explosão, sua pintura.”

Flávio de Aquino



“A realidade não é um patamar, mas um degrau da escala interminável. E em cada degrau uma nova realidade espera o novo olhar. Assim é a pintura de Aldemir Martins.

Nas cores de suas cores e nas linhas de suas linhas, nas curvas de suas curvas de sol e de vulva nas frutas de sua mesa e na terra de suas figuras na alfombra de sua sombra e nas flores de sua tarde em todos os seus gatos que de dia são pardos a realidade voa como um pássaro. Operário de todas as cores Aldemir Martins pinta como quem ama e brinca na cama.

E à noite nasce o sol, embrulho de luz deixado no degrau da escada.”

Lêdo Ivo



“A obra de Aldemir Martins significa uma ruptura na Arte Brasileira, a partir do que ele estabeleceu como diálogo, um vocabulário profundamente Nacional, Raiz e Força de uma Terra exuberante, dourada pelo sol. Daí, estas flores, estes frutos nas naturezas mortas, estas figuras de mulheres morenas, estes cangaceiros e estas paisagens, memória de um Nordeste sofrido, estas marinhas, estes caranguejos e gatos, estes pássaros e peixes, tamanduás, estes sapos e borboletas, todos estes seres sabem a Brasil. Admirável, corajoso, ele derrama com vitalidade seu enorme talento, a cada aventura embarcada sem barreiras ou preconceitos, o que prova que a arte serve e sempre servirá para expressar toda a grandeza do sentimento humano, o pulsar da própria vida.

Daí estas pinturas marcam tanto quanto suas cerâmicas, esculturas, desenhos, gravuras, tecidos, móveis, luminárias e jóias.

Eis aí um artista que é também um mágico que a tudo toca e transforma e que por tudo é tocado. Eis aí um homem inteiro, honesto, generoso e amigo. Profundamente amigo, de bem com a vida e com o mundo.”

Emanoel Araújo



“Aldemir nos apresenta, acima de tudo, um obra fina, delicada, com raízes na mais pura tradição do desenho linear, universal pelas afinidades que tem com os mestres orientais sem, contudo, abandonar suas ligações formais com o Ocidente. Nas linhas cheias, cortantes e firmes está contida uma análise delicada, sintética, característica que Aldemir jamais abandonou. De toda sua obra se desprende humor, um bom humor permanente, sem literatura, sem descrições sentimentais.”

José Gomes Sicre



“Talvez por ser assim tão violento o sol, tão áspera a terra, tão cruel a seca, tão devastadoras as enchentes, tão pobre o homem em chão tão rico, talvez para compensar tanta dificuldade a enfrentar e a vencer, da sofrida (não, porém, vencida) humanidade do Nordeste, nascem os grandes criadores, os poetas, os romancistas, os músicos, os pintores. Nascem para recriar a terra e os seres, animais e homens, as plantas, o umbu giro, e o cactus, a palmeira e o mandacaru o beato e o cangaceiro, o mar e o sol.

Nasce Aldemir Martins, mais do que nordeste, o próprio Nordeste.”

Jorge Amado


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