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Cinecittá

Restos de Sonhos

Em 1992 estava em Roma fazendo uma série de matérias para algumas revistas de São Paulo, uma das pautas era Cineccitá. O mítico estúdio onde se produziam os filmes de gladiadores que fascinavam as platéias nas salas de cinema das décadas de 50 e 60, o célebre estúdio numero 5 onde Fellini criou o mar de plástico de "La nave va" e entre outros delírios fez navegar o transatlântico REX, orgulho da Itália fascista que passa sob o olhar fascinado dos personagens de "Amarcord".

Após os tramites burocráticos intermediados pela Gaumont do Rio de Janeiro, finalmente e com um frio no estomago entrei pelo portão principal na Via Tuscolana. Para minha surpresa, logo de apresentar-me na administração fui deixado só, a minha própria sorte perambulando pelas ruas e corredores do grande complexo que parecia vazio. Esperava encontrar cenários de filmes e talvez ter a sorte de ver alguma filmagem, mas em todos os galpões era a mesma coisa... no numero 5, o preferido de Fellini, o maior, estava sendo montado o cenário de um programa de auditório, por onde quer que fosse não havia nada que lembrasse cinema e tudo remetia ao mesmo tema: A televisão.

Na semana anterior o próprio Fellini num artigo para um jornal de Milão tocava esse assunto e com uma nostalgia muito própria referia-se aos tempos nos quais o universo para ele cabia no "numero cinco" o maior estúdio do mundo, a sua casa...

Entediado e um pouco triste, estava quase desistindo quando dei de cara com uma escultura de gesso de mais de três metros de altura desgastada que com a mão, displicente apontava para a porta de entrada de um prédio mais velho e isolado dos demais, acho que era Julio César e tinha um braço quebrado... "Plástica" era a palavra escrita com letras de cimento encima da porta...estava na frente do departamento de cenografia de Cineccitá.

Entrei e dois funcionários de avental receberam-me com a típica indiferença e soberba romana deixando-me a vontade no meio daquele maravilhoso entulho, padres e soldados, rainhas e prostitutas, santas, animais exóticos, crianças, deuses gregos...Peter Ustinov, Nero, Calígula, Satiricon, tudo amontoado coberto de pó e teias de aranha, restos de histórias, décadas de cinema, de gesso, de fantasias. Não lembro quanto tempo fiquei ali, mais do que o necessário para expor todos os filmes, fiquei até que a luz que entrava pelas janelas sujas fosse embora, não sei se esse depósito ainda existe, talvez tenha sido ocupado pelos restos dos cenários tristes dos sórdidos programas de auditório que dominam a TV italiana...afinal que interesse pode ter para a audiência um amontoado de esculturas desgastadas e sujas, um acumulo de signos desconexos perdidos num depósito poeirento...?



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