"Todo trabalho executado como o seu, pode re-
vestir-se de um sentido místico e simbólico.Conta
uma lenda oriental que um sapateiro chegou ao es-
tado de santidade porque ao colar duas camadas
das solas dos sapatos, constantemente, unia o in-
ferior ao superior. De certo modo o trabalho
assemelha-se, aqui,à manipulação lenta e paciente
do alquimista, que espera menos as transformações
de suas operações e muito mais de sua atitude es-
piritual em relação a elas e sua doação de si
mesmo à empresa que realiza.
A expressão "trama da vida" fala com insis-
tência, do simbolismo do tecido obtido. Não se
trata do ato de criar, mas sim de que, para certa
intuição mística do fenômeno,o mundo dado aparece
como uma tela que oculta a visão do verdadeiro e
do profundo. A tama (equivalente às linhas ver-
tical e horizontal) interpreta a cruz cósmica:uma
delas (vertical) expressa os diversos estados do
ser e a outra (horizontal) expressa o grau de de-
senvolvimento desses estados.
Nos "upanixades indus", o supremo brama é de-
signado como aquele sobre quem os mundos estão
tecidos, como urdidura e trama. Suas transparên-
cias,dotadas de unidade e significação, compôem
imagens de maneira superior pela qual pode repre-
sentar-se um saber, já que todo o conhecimento
tende, por síntese,a ir para o visual.Suas trans-
parências nos levam à intuição do mundo como vas-
to conjunto (repertório)de signos que esperam ser
"lidos". A cada representação você utiliza trans-
parências diferentes, variadas, que, entretanto,
"seguem obstinadamente um processo sem fim".A va-
riedade parece fases de um movimento ritual, ri-
tual este visto na cor vermelha, na sua qualidade
passional que infunde o significado de sangue de-
rramado - o mais preciso dom oferecido em várias
culturas.
Quanto a ser "obstinado" o seu desejo de
leveza e o seu modo de manifesta-se onírica e ar-
tisticamente uma vontade de superação de si e dos
demais,quase que como um impulso de evasão."
Georgette Bergo Yahn
doutora em literatura portuguesa (USP)
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