textos


Imagem Construída

Desde seus primeiros trabalhos e experiências visuais com a “nova figuração” na década de 60, Claudio Tozzi teve sua obra reconhecida tanto no meio cultural, quanto junto ao grande público. Trabalhou com imagens e ocorrências do mundo urbano e utilizou em sua pintura ícones imediatamente reconhecíveis ( Guevara, multidões, astronautas, bandido da luz vermelha, etc. ).

Em meu trabalho havia a intenção de se aproximar da linguagem dos meios de comunicação de massa e se apropriar de imagens do mundo urbano, história em quadrinhos, sempre com a intenção de modificar seu significado, de propor uma sintaxe diferente para criar uma nova mensagem : criar novos- objetos. (1)

Existia em sua pintura a intenção de associar o conceito de apropriação da imagem (Duchamp), a uma estrutura construtiva revelada pela organização racional dos elementos de suas pinturas.

Tozzi não é intuitivo, ao contrário, é reflexivo e metódico. As imagens são construídas com forte influência gráfica, desde seus primeiros trabalhos. (2)

A partir da década de 70, seu trabalho apresenta um tratamento cromático mais elaborado e adquire uma conotação simbólica, com a utilização de signos, que traduziam o momento de opressão cultural que vivíamos na época. Começa então a trabalhar elementos metafóricos e mais sutis. O parafuso é o primeiro deles, e até hoje aparece como signo visual em seu trabalho. Nessa série, torna-se claro que as diversas abordagens do parafuso correspondem a um processo de reflexão sobre as possibilidades gráficas e metafóricas de um mesmo tema. (3)

Sua constante intenção em fazer uma arte com participação ampla do espectador, o levou a propor, em 1972, um painel de grandes dimensões para a lateral de um prédio na Praça da República em São Paulo.

Sempre propus realizar trabalhos que fossem inseridos no espaço da cidade, atitude resultante de estudos e reflexões de minha formação em arquitetura e design urbano. (4)

Nesta década, experimenta novas linguagens e expande seu trabalho para outros campos ao utilizar uma diversificação de suportes e meios : super-8, xerox, polaroid, etc. Pesquisa novos pigmentos e materiais que aproximam sua obra de uma vertente da arte conceitual.
Executou objetos que associavam a um conceito, materiais aglomerados e protegidos por uma caixa de acrílico. Areia, terra, grama e fibra de algodão com pigmentos, eram os materiais utilizados. Na Bienal de Veneza, onde expôs estes objetos, criou uma arte ambiental, ao revestir o piso de sua sala com pequenas pedras brancas.

Sua preocupação com a cidade e o homem, estende-se agora ao habitat. (5)

A série cor-pigmento-luz iniciada em 74, apresenta o conceito cor através da superposição de pigmentos que resultam numa estrutura reticular de pequenos grãos de tinta, em camadas de sutis mudanças de cor, que se somam na superfície da tela, semelhante à solução gráfica que encontramos nos out-doors e nas impressões em off-set. Uma característica técnica específica, que acompanha sua linguagem até os trabalhos recentes.

Esta retícula é tramada como um tecido... Esses pequenos sinais de tinta têm desenhos variados, umas vezes pequenos círculos, outras figuras irregulares e riscos. A densidade da tinta também difere. É densa e cobre outras cores em alguns lugares sendo que, em outros, é liquefeita, fundindo-se com as imersas. (6)

No início dos anos 80 retoma a linguagem da pop-art, construindo os trabalhos a partir do ato de incorporar à imagem, retículas e quadricromias utilizadas nos processos gráficos de impressão. Apropria-se de algumas imagens de fácil identificação popular: papagálias, ambientes tropicais, flores, colchas de retalhos.

Com estes trabalhos Cláudio Tozzi ganha o prêmio de viagem ao exterior do Salão Nacional de Arte Moderna.

Na série Papagálias as imagens pouco variam, se aproximando do conceito de arte multiplicada; semelhante ao que Andy Warhol fez com a imagem da Marylin e da sopa Campbell´s. (7)

Seus símbolos tropicais são territórios construídos por meio de uma concepção geométrica, portanto abstrata, e de um racionalismo cromático. (8)


Os territórios urbanos, a arquitetura, as cidades e suas múltiplas leituras, sempre foram predominantes no conjunto de sua obra. O macro espaço é apresentado nos trabalhos das séries Urbe e Trama Reticular Urbana, onde pesquisa a cidade e sua complexa estrutura, revelada através da superposição de linhas e superfícies cromáticas, que determinam uma estrutura de intenção e caráter construtivos.

A geometria aqui, não é a do espaço, pois Claudio Tozzi trabalha preferencialmente com o tempo. Ou antes, na tensão entre o espaço e o tempo. Reflete sobre o tempo partindo das cidades. (9)

A partir dessa experiência, Claudio Tozzi realiza as séries Passagens e mais recentemente, Arquiteturas Imaginárias e Territórios, onde à intenção construtiva somam-se aspectos novos: a matéria, a textura, o recorte, a volumetria.

O tema é apenas o andaime que serve para sua construção pictórica. Claudio Tozzi trabalha com maior intensidade e, sobretudo, com maior autonomia, os problemas da pintura. (10)

Toda passagem é um “entre” um lugar e outro, um tempo e outro, um estado e outro, uma situação e outra, entre o aqui e o ali. A passagem é um meio. Mas sendo um meio é um lugar – um espaço.(11)


As escadas, os espaços arquitetônicos, foram abordados pelo artista de maneira objetiva, como elementos para analogias formais, que traduzem os degraus como uma sucessão de planos que se sobrepõem, se constroem e se desconstroem na superfície do quadro. É uma pintura que faz parecer real aquilo que ela entrega ao primeiro olhar. E este olhar cria na imaginação do observador a ilusão de que o tema é objetivo, quando é apenas o meio ou a ferramenta para mostrar as intervenções, que são muitas e possíveis na forma. (12)

No processo de desenvolvimento de sua obra, Claudio Tozzi intensifica sua preocupação formal e passa a trabalhar com elementos estruturais básicos: linha, planos, cores, formas orgânicas, matérias, etc.
Articula, acopla, superpõe, desconstrói as formas contidas no quadro e propõe em seu trabalho uma nova situação espacial. Busca pesquisar soluções inerentes à própria pintura – ao ato de pintar.
O acoplamento dos elementos visuais, a seqüência das formas, muitas vezes determina o território final do quadro, que pode ser plano, ou um objeto recortado no espaço.

Há um desencadeamento de formas em alguns quadros sem o salvo conduto dos temas, um balé de elementos eminentemente gráficos, espirais, poliedros cujas direções são contraditas, qualquer pista que dê à profundidade a perspectiva é desmentida por uma outra que desemboca ao lado do espectador. (13)

Hoje seu trabalho possui raízes mais profundas na tradição da pintura abstrata. E, isso se deu à dinâmica mais rigorosa das telas, às superfícies densamente amarradas, à ênfase ao contorno da pintura e à imagem do quadro / objeto, ao jogo de relações formais (construtivas) na superfície e ao cromatismo emotivo. (14)

Claudio Tozzi sempre se propôs a realizar obras públicas, ter a atitude de interferir no espaço da cidade, inserir objetos e signos que se integrem ao desenho do espaço urbano. Fez importantes painéis em prédios públicos, em estações do metrô paulista e um grande painel em um edifício na Av. Angélica.
Seu mais recente trabalho de interferência no espaço urbano (site-specific) é o que realizou nas avenidas 23 de Maio e Bandeirantes em São Paulo. Trata-se de interferir numa determinada área da cidade, de caracterizá-la por elementos visuais específicos que definem sua identidade. Uma série de painéis, com variações de tratamento cromático que se estende ao contorno urbano e a todo o conjunto.

Claudio Tozzi é um artista que está sempre em processo de reelaboração de sua linguagem, procurando superar continuamente suas próprias conquistas. Seus trabalhos mais recentes revelam mudanças significativas no tratamento compositivo e espacial de sua obra.



Referências citadas no texto
1. Entrevista de Claudio Tozzi a Fábio Magalhães
2. Fábio Magalhães. Obra em construção. página 19
3. Fábio Magalhães. Obra em construção. página 40
4. Entrevista Claudio Tozzi. Canteiro de Obras. SESC. página 22
5. Tavares de Araújo, Olívio. Catálogo Bienal de Veneza . página 76
6. Munari, Luis. Invenção e Mechanica. Claudio Tozzi. EDUSP. página 47
7. Entrevista Claudio Tozzi. Canteiro de Obras. SESC. página 20 9. Matos, Olgária. Geometria do Tempo. Claudio Tozzi. EDUSP. página 103
10. Fábio Magalhães. Obra em construção. página 63.
11. Knoll, Victor. Passagens em Doze Observações. Claudio Tozzi. EDUSP. página 121.
12. Munari, Luis. Invenção e Mechanica. página 48.
13. Aguilar, Nelson. Como Kasparov jogando xadrez. Claudio Tozzi. EDUSP. página 87
14. Leirner, Sheila. Fragmento crítico 4. Claudio Tozzi : O universo construído da imagem. página 94.
Os textos acima citados estão especificados na bibliografia básica e encontram-se para consulta na biblioteca da FAUUSP.