fragmentos críticos


texto: Daisy Peccimimi

Nos últimos anos 60, um jovem estudante de arquitetura se agitava e corria pelas ruas de São Paulo, fotografando as multidões em passeatas de protesto.Cláudio Tozzi lançava um olhar atento e comprometido com o momento, fixava flagrantes do contemporâneo conturbado. As foto, segundo seu proceder minucioso, eram trabalhadas em laboratório, para chegar às imagens em alto-contraste, recortadas, montadas e justapostas; também assim procedia com outras fotos apropriadas de jornais e revistas. Compareciam em sua pintura, imediatismo, em termos de comunicação de massa, imagens do momento, de forte caráter semântico, constituindo-se em uma iconografia urbana.

Seus trabalhos são narrativos de vivencias daquele período, constituindo-se em series, como quadros de estórias em quadrinhos, não indiferente à produção de arte pop norte-americana, em particular de Roy Lichtenstein.

Tozzi atuava com os meios de comunicação de massa, lançava mão de imagens que circulavam na paisagem urbana, verdadeiros resdy-mades visuais. Utilizava tinta para pintar placas de rua e sinais de transito, em cores puras e chapadas - vermelho, amarelo, branco e principalmente preto. Trazia também para as obras, como Lischtentein, as marcas do tratamento fotográfico - as retículas ou granulações do offset fotográfico.

Sua narração se desenvolvia em series Guerra do Vietnã, A Fome (de Biafra) os terrores da cidade paulista, na serie O Bandido da Luz Vermelha, a homenagem comovida ao revolucionário em Guevara Vivo ou Morto, a conquista da lua em Astronautas, a crítica ao poder do período militar na serie dos Parafusos, a perda do sentido da vida e da direção das massa nas Escadas (que levam a lugar nenhum). No trato da linguagem da pintura, fez pesquisas sobre a função da cor, na trama da composição. A serie Cor-Pigmento-Luz - áreas cromáticas chapadas - onde a cor é cor-pigmento depositado na superfície e também é cor-luz, materializando-se os raios de luz colorida no suporte como pequenos pontos. Esta configuração "pontilhista" se verifica na continuidade da pintura de Tozzi a partir de 1971 em Escadas, instaurando-se como uma metodologia, fruto de sua formação e atuação como professor de "Estrutura de Linguagem Visual" na FAU-USP. A trama de pontos, tons da mesma cor, traz uma possibilidade de soma óptica de exercício de gestalt para o observador. Uma sensação de cor, vibrando com diferentes intensidades de luz.

O artista atingiu um grande rigor na linguagem da pintura somada à poética pessoal ancorada no momento uma interação entre a razão e a emoção.

Em figurações (30 anos na arte brasileira) as obras de Tozzi estabelecem em diálogo dois momentos diferentes de seu percurso artístico.

A serie Astronautas, 1969/80 e o desenho A Subida do Foguete, 1969 - premio da IV Jovem Arte Contemporânea, obras da coleção do MAC USP, ocupa ponto central do espaço.

Em torno do tema da chegada à lua, das viagens interplanetárias o artista destaca os grandes personagens o homem e a maquina - o astronauta e o foguete. Em contraposição às series anteriores, onde viam-se paisagens urbanas e a massa popular densa e agitada nas ruas, se apresentando-se densas áreas pretas. O foguete apresenta-se no desenho como um novo habitáculo do ser, incorporado à paisagem urbana na escala do edifício e junto às ruas, sobe do centro de uma cidade num insight especial. Os astronautas, em serigrafias, são tratados com traços redondos, consoante à questão de falta de gravidade, ao ar rarefeito, com cores luminosas e contratantes. Desenho e serigrafias refletem o encaminhamento do artista em busca de mais leveza e luz para seus trabalhos. A partir destes, o público pode observar como o artista trabalha num determinado momento e como sempre decide operar com meios que interagem com sua percepção do tema do aqui e agora.

Pode o olhar do público se encaminhar para as grandes pinturas em torno da serie Rememorações.

Estas obras, de 1998, faz forte referência aos idos de 1968, à edição do ato institucional n. 5, o AI-5 e às restrições dos direitos da cidadania.

Cláudio Tozzi quer relembrar para outras gerações, em grandes painéis, um mosaico ou quebra-cabeças da memória. Com macro ou micro peças assinaladas sabiamente, projeta a composição, justapõe, contrapõe imagens, fragmentos do passado para o futuro. Revela ao público, de outra geração, cenas de resistência, opressão, angustia e coragem. Comparecem as imagens das séries As Multidões, Os Parafusos (sobre cérebros), as escadas sem destino e derivadas das passagens (da rosca) do parafuso.

Seguindo sua sapiência e o rigor da linguagem da pintura, Tozzi estrutura a composição, com dinâmicas de formas e cores-tons diferentes, diagonais e recortes ortogonais. Trabalha com grupos de cores das quais derivam tonalidade de diferente intensidade, no jogo de exaltar ou rebaixar os tons.

As Rememorações 1, 2, 3, 4, 5 e Geometrias do tempo, Emblema 1 e 2 e Vestígios fazem um assentamento de um espaço para contemplação e interatividade por seus valores gestálticos, lúdicos, que chegam ao espectador como um convite para decifrar e vibrar com luzes, cores, formas e significados no jogo do momento e da pintura.

Daisy Peccimimi