o universo construido da imagem


"A obra de Cláudio Tozzi, iniciada nos anos 60, merece e justifica a edição deste site que, mesmo de forma não exaustiva, reúne obra de diversos períodos - desde os seus primeiros trabalhos até algumas realizadas recentemente - possibilita uma visão de conjunto de suas múltiplas fases

A obra criada por Cláudio Tozzi é extremamente nítida, Ela se apresenta como um ser, uma presença que esta ali, um fato do mundo, uma entidade de per si, única, direta, concreta. É ser e coisa. É um objeto na ordem da existência, uma invenção humana, um ser posto no mundo, As cores desta obra são manifestamente artificiais. A própria forma é estruturada e inventada pelo artista. Não são correspondentes às formas da natureza.

As obras criadas por Cláudio Tozzi, a partir da década de 80, têm uma existência sem-par, parecem ter nascidos naquele momento e se impõem ao nosso olhar como uma unidade formal. De uma maneira declarada, essas obras, em seus vários elementos constituintes-as áreas de claro e escuro, as cores, o suporte, o desenho interno, a estrutura geométrica - formam uma unidade inteiriça. Essa é uma entidade de existência própria, tem uma integridade particularizada e não pode ser isolada em suas partes sem com isto perder o sentido e a significação.

Ao contemplarmos estas obras não resta qualquer duvida de que elas são intencionais, destinadas a uma interlocução, carregadas de uma existência interna, alimentadas por um pensamento único, fruto intencional de uma determinação, produzidas num laboratório pessoal, engendradas num processo de continuo auto-desdobramento e, portanto, resultado de sua própria lógica.

Este laboratório pessoal, esta usina de produção de imagens e objetos, possui as suas regras de progressão e elas estão contidas na organicidade do desenvolvimento de sua estrutura que reclama, de maneira permanente, por mais autonomia e ciência de si mesmo.

Esses trabalhos de Cláudio Tozzi, especialmente os realizados a partir de 1980, por sua inteireza formal e ausência de referencias literárias, não se colocam como representantes de uma situação exterior qualquer. Estes trabalhos são, ao mesmo tempo, o objeto e a significação, o signo e o símbolo. É um ser de si mesmo e a ausência de remessa ao exterior obriga o interlocutor a se ausentar de religações. São obras que eliminam a narração literária e cerceiam, de certo modo, a imaginação associativa. Elas não nos remetem à um outro estado, não nos recordam vivencias e não favorecem o delírio memorialístico. Elas estão encerradas em si mesmo e nos forçam, como interlocutores, a nos cingir à este mundo criado pelo artista, um universo artificial e próprio do homem. Estas obras estão dentro da linguagem e, em nenhum momento, estabelecem ligações com a natureza ou as forças elementares do mundo. É uma construção do espírito.

A obra de Cláudio Tozzi caminha permanentemente em direção a construção de si mesma. Tudo o que ela tem para dizer está contido nela mesma. Pode ser dito que ela acabou de nascer. Certamente não é possível gostar dela da mesma maneira como estamos habituados a gostar da natureza. Não há empatia ou antropomorfização da nossa relação com ela. Não se trata de alguma coisa boa, bela e confortadora.

De alguma maneira, a nossa imaginação parece bloqueada. Nessas obras não há vazio. Ao contrario da contradição oriental, aqui, todo o espaço esta ocupado. O espectador não pode percorrer estas imagens e permitir que a sua imaginação divague e que os vazios surgiram caminhos de meditação. Nos não estamos diante de uma via de espiritualização.Não há contemplação didática ou salvadora e nem podemos acreditar que o artista tenha, no processo de produção de seu trabalho, traçado para si mesmo um percurso pessoal de salvação. A arte não é um meio, não é um caminho, não é uma via para alcançar a iluminação. Ela é ela mesma, absolutamente inteiriça. Não há lugar para qualquer outra viagem.

A obra de Cláudio Tozzi é, desta maneira, uma realização inteiramente ocidental e fruto de uma sociedade industrial e em continuo processo de transformação para novas estruturas de produção. A obra se coloca como um marco de um momento de transição. Aqui, verificamos o que existe e esta existência está diante de nós com a dureza e a visibilidade urbana da construção. O homem, como esta obra, está encerrado no próprio casulo.

Em 1989, Cláudio Tozzi participou de uma iniciativa do Jornal da Tarde, São Paulo, intitulada Arte em Jornal, cada artista recebia duas paginas do JT para realizar o seu trabalho. E tinha à sua disposição todos os equipamentos do jornal, desde o parque gráfico, até o laboratório fotográfico, equipes de fotografia e redação, um catálogo com cerca de 170 famílias de diferentes tipos. Uma terceira pagina era dedicada à analise do artista, à sua Biografia e uma entrevista. Foram 15 artistas, 45 paginas e 15 semanas continuas. O jornal se tornava suporte para a veiculação de um projeto de arte e a liberdade do artista, além de teoricamente completa, era acrescida uma moderna industria e de seus técnicos.

Cláudio Tozzi construiu o seu trabalho a partir de seu atelier. Ele idealizou uma construção, espécie de planos justapostos, cenário de uma cidade imaginaria e desenvolveu estes planos em duas versões. Numa, em preto e branco, cobertos de textos e convidados seus, Haroldo de Campos, Décio Tozzi, Adib Jatene, Mauricio Nogueira Lima, Victor Knoll e Maria Rita Kehl. Cada um escreveu sobre o que desejou e os textos desenvolviam-se em claros e escuros na sua pagina. Na outra pagina, feita em amarelo, vermelho e cinza, apenas o titulo "Casa/Casulo/ Receptác" e um poema de Haroldo de Campos. Neste a cores, uma das colunas dobrava-se em curva e cortava os dois planos retangulares. Desta maneira, tudo o que não fosse diretamente de seu mundo, estava fora do trabalho. Os equipamentos do jornal, as máquinas especiais, a variedade de tipos, as fotos. Os textos de autores foram indicados pelo próprio artista e eram parte de seu universo.

Muitas pessoas me declararam a sua perplexidade. Tozzi não dava margem à "comunicação". É claro que aqui, a palavra comunicação tem um caráter ambíguo. Essas pessoas não encontravam nas paginas de Cláudio Tozzi os seus próprios hábitos mentais, a comunicação banal dos jornais e nem mesmo os recursos banalizados pela utilização cotidiana. Não havia disso. Nestas duas paginas só era possível encontrar Cláudio Tozzi e a severidade de sua mensagem. Alguma coisa a ser entendida por ela mesma. A necessidade do deslocamento do eixo de compreensão do interlocutor. Casa. Casulo. Receptác. Quem sabe aqui, nesta palavra interrompida, receptác, poderia ser acrescentado alguma coisa do leitor, houvesse a margem de um discurso da imaginação. Ainda que, para mim, estivesse completo. Receber, receptivo, receptáculo. As imagens acolhiam o leitor no seu mundo. Um casulo.

A solução de Cláudio Tozzi diante da provocação de uma ação tão ampla quanto esta, não é de espantar. É afirmativa de maneira coerente com a sua obra, Ela admite ser um produto de inteligência, um filho do espírito, um ente cultural, um ser espiritual. Nada mais, nada menos. Nos espaços livres, palavras fechadas dentro de atividades. O medico, o arquiteto, o poeta, o artista. É nela que devemos entrar, é neste reino do inteligível que podemos existir, dialogar e entender o artista. Casulo, não é o nome de jogo? Casa não é o nome do lugar do homem? Receptác não é senão a sugestão do lugar?

Entre os textos publicados na sua obra, há um extraordinário poema de Haroldo de Campos que sugere o universo do artista de forma precisa, se é que podemos chamar uma sugestão de precisa. Mas esta, por se transformar na ambigüidade do próprio projeto construtivo do artista e definir o seu mundo-linguagem e pelo seu conteúdo não definitivo é preciso justamente pela infinitude da sugestão e por, em cada som, voltar sobre si mesmo, ser um simulacro especular das paginas de Tozzi: "...um casulo afinal não passa de uma casa precária morada de um bicho-palavra..."

Cláudio Tozzi é um filho direito e dileto da pop art. Ela agiu sobre o artista de duas maneiras distintas. De um lado, como um catalisador de idéias, uma substancia que favoreceu a combustão das idéias e do trabalho do artista e que orientou os seus esforços. De outro lado, em determinado momento, a pop art funcionou como uma espécie de exoesqueleto do artista, ela forneceu a forma exterior na qual o seu ser se conformou. Cláudio Tozzi é, portanto, um artista oriundo da pop e das maneiras distintas e certamente contraditórios entre si.

Eu utilizei, propositalmente, duas possibilidades antagônicas. De um lado a catálise. Em oposição, o molde. Seguidamente estas duas probabilidades são excludentes uma da outra, mas ao verificarmos como isto se passou na obra do artista, podemos entender um pouco da importância da pop para a arte contemporânea e seu peculiar trajeto brasileiro.

A pop art definiu um novo universo para a arte contemporânea. Ela trouxe as imagens do cotidiano, aquilo que existe e é produzido por nossa sociedade. Ela da um tiro final e certeiro na idéia de assunto nobre, de tema particular da arte. E ela trouxe, também, o universo da comunicação em massa, os recursos utilizados, as próprias imagens de comunicação e o repertorio, até então desprezível, de uma comunicação que se passa já fora do tradicional universo do alfabeto.

É esta forma exterior, estes meios e veículos, estes novos signos, que alargam e completam a forma do artista contemporâneo. Este novo repertório teve grande importância para os artistas brasileiros, pois colocou um novo acervo de meios e imagens à sua disposição e reafirmou a verdade de que o mundo é interdependente devido a tecnologia de comunicação.

É verdade que a alfândega continua a existir. E as diferenças econômicas, os interesses comerciais, as reservas e disputas de mercado e, enfim, as disputas de todas as ordens, bem como ressurgimento dos nacionalismos religiosos e regionalismos. Entretanto, salvo em regimes totalmente fechados, há este elemento novo que passa a circular chamado informação. E, mesmo nos regimes fechados, a observação demonstra que, também neles, há a filtragem de informações novas, exteriores. Os resultados são de tal ordem, desde a eclosão da pop art, que não podem ainda ser medidos em sua extensão. Ainda que possam ser apontados na produção da arte e em boa parte de seus efeitos.

O primeiro resultado da pop art é a reinstalação da figura na arte. A figura não só estava desprezada pelos movimentos abstratos, como estava relegada à idéia de assunto, termo maldito desde o Impressionismo. A arte, com a pop, rebela-se contra a idéia de que a arte é feita de elementos formais e que só conta o tema, em detrimento do assunto, mero motivo e ponto de partida. A pop art recupera a figura como valor em si mesmo e se opõe de maneira decidida ao formalismo, ao simbolismo e à transcedência. É óbvio que, por este ângulo o pop art tem um caráter anti-intelectual e se afirma como um valor anti-discursivo. Ela substitui a narração pela descrição, o símbolo pela coisa e a emoção pela verificação fenomenológica.

A pop reinstala um novo tipo de realismo. Acho inegável este fato. E este realismo pretende dizer coisas que são inegáveis, pois pertencem ao reino das coisas e da visibilidade da nossa sociedade. E este novo realismo quer afirmar a existência destes objetos e tem um caráter fenomenológico. Ele não conceitua esta nova realidade, não a situa num tempo histórico e nem demonstra. Este realismo mostra os objetos e as situações de maneira absoluta. É uma descrição de existência. É verdade que os contornos deste movimento ainda não estão inteiramente definidos, mas ele tem um manifesto conteúdo metafísico. Os objetos são exemplares dos objetos. Aqui trata-se de apresentar o existente. E os contornos são elásticos justamente pela capacidade, a cada novo artista, de apresentar novos objetos exemplares.

A pop art, salvo em algumas ocasiões, não apresenta o objeto tal qual é, mas a sua representação. O objeto tal qual é significa recoloca-lo no espaço. E neste caso, ele já não é o mesmo, pois estava deslocado de sua função. E o objeto é enquanto função. Em outro contexto, é outra coisa. Esta foi a principal lição de Marcel Duchamp. O deslocamento do objeto de sua função, altera o seu valor. A representação, portanto, adquire um caráter de exemplaridade. E por esta razão que ela se apresenta como uma nova metafísica. Esse opõe, enquanto produção e sistema de representação, as descrições emotivas, às relações matemáticas e geométricas, a busca de imagens arquetípicas, as relações de simbolismo. A nossa sociedade é feitas de objetos e de visibilidade dos objetos e a pop quer apresentar o mundo do objeto tal qual é. A pop art refaz, no seu sistema de representação, o universo do objeto exemplar.

No meio artístico brasileiro a pop art tem o efeito de um artefato de explosão nuclear. Ela surge para nós, quando o nosso mundo se modifica e a industria se desenvolve e entramos nos modernos processos de tecnologia de comunicação. Os nossos artistas estão à procura de novas formas de representação, capazes de substituir as utilizadas para representar o mundo pré-industrial. Os modelos ainda são os modelos utilizados na Europa pós-guerra, com a explosão das emoções, a vivencia da nova geometria concretista, a instalação do desenho industrial. Enquanto isto, o país esta em contato com as realidades do mundo, há uma nova estrutura social se formando e uma boa parte da nossa juventude, e de artistas especialmente atentos aos novos tempos, adquire uma nova maneira de produzir as suas imagens. Trata-se de inventariar a nossa realidade.

Este novo vetor da arte é impactante em todo o mundo, não apenas no Brasil. Não é o caso, aqui, de fazer o recenseamento dos artistas que participaram da nossa pop e que maneiras ela assumiu entre nós. É tarefa longa e não é o assunto principal deste texto. Mas o que foi dito é suficiente para perceber a origem do artista Cláudio Tozzi a favorecer um entendimento da maneira como ele se houve com este novo sistema de representação e de como, um movimento internacional, toma aspectos peculiares em cada lugar.

A pop é um molde a qual se adapta Cláudio Tozzi e informa o seu ser de artista. Ela coloca ao seu dispor as imagens do mundo, via comunicação. E afirma que este é um assunto seu, também. Ele lhe Poe a disposição os meios de produção, os meios tecnológicos, as imagens de comunicação de massa, desde os quadrinhos, as televisivas e os grafites. A aceitação deste universo de processos, imagens e objetos, é uma aceitação do próprio sistema e é com ele que o artista vai trabalhar. Desta maneira, é licito dizer que a pop art serve de molde para a formação do ser artístico de Tozzi.

Entre 1964 e 1966, Cláudio Tozzi se apropria das imagens e das questões da guerra do Vietnã para produzir, através de vários processos técnicos, imagens demonstrativas da guerra. E, neste caso, com a visão critica já própria de seu trabalho, na qual fica evidente a invasão americana, os resultados do domínio colonialista, o sofrimento do subdesenvolvimento. O que, em paralelo com o regime militarizado brasileiro, instalado a partir de 1964, forma um panorama critico em relação a própria vida brasileira.Em 1967, Tozzi realiza uma famosa serie sobre o Bandido da Luz Vermelha, mito urbano de um assaltante romântico, sedutor e, ao mesmo tempo, violentador de mulheres. Tozzi utiliza as imagens de jornais, o mito urbano da comunicação, acentua o caráter repressivo da violentação e o caráter romântico do mito, fruto, pelo seu lado, também, do caráter repressivo da sociedade. Descrição do urbano, dos mitos populares, do romântico que chega na noite escura portando uma fonte luminosa vermelha, e é um anjo vingador. Monstro, anjo vingador, emergência dos parias sociais, bandido a atuar na classe media, símbolo e signo de uma situação urbana.

É nesse mesmo ano de 1967 que Tozzi faz um famoso retrato de Che Guevara morto. E no ano de 1968, período de endurecimento do regime militar brasileiro, povoam as suas obras as imagens de multidões em passeatas. Observa-se, neste trajeto, o percurso que a pop art tem sobre o artista e o caráter marcadamente crítico de sua utilização. A denuncia da invasão, o desejo ed liberdade, as ameaças externas, as relações entre o mito e o real.

É obvio que o molde é originário da pop art, mas o desenvolvimento destas imagens é a demonstração de uma verdadeira catálise, pois estes novos elementos, na verdade um sistema de representação e de processos de atuação reflexos do desenvolvimento social, acentuam a individualidade do artista e as suas tendências, e não o aprisionam em uma adoração cegas aos novos objetivos industriais e a nova riqueza urbana.

É coerente com este processo do artista que, em 1969, ele se deixe comover pelo espetáculo da lua e da chegada do homem e faça imagens de astronautas e permita que um prata solene invada as suas imagens. Ele continua permeável aos temas que falam das possibilidades do homem libertar-se e, ao mesmo tempo, está ligado aos motivos da comunicação e do mass media. Haverá maior evento de comunicação do que a chegada do homem à lua?

O percurso do artista caminha estimulado por estes dois vetores: os signos de comunicação e a visão crítica do participante do país em desenvolvimento e com áreas de extrema pobreza e domínio autoritário. Futebol, 1970. Parafusos, 1971. E aqui, estamos diante do momento mais importante dessa trajetória, aquele que assinala uma ruptura entre a atenção e os elementos exteriores e o mergulho pessoal em direção a si mesmo e à construção de um universo próprio e único. Elemento-signo da industria, o parafuso teve em Cláudio Tozzi um valor político determinado. Objeto perfurante, a serie pode ser simbolizada pela pintura em que um parafuso serve para perfurar um cérebro e prende-lo a um lugar determinado.

De 1972 a 1974, Tozzi elabora as suas caixas de realidade, premonição de uma arte ecológica, na qual utiliza vários elementos para significar o mundo à sua volta, o céu, a terra e o mar. Este mesmo assunto retornará, de maneira esporádica, em 1976, para uma representação brasileira na Bienal de Veneza. Nestas caixas, Tozzi já conceitua a realidade, afasta-se dos suportes convencionais, cria caixas que contem em si toda a realidade e prepara, de certa maneira, o caminho para criação de objetos, nas quais não importa mais o suporte, mas capazes de conter em si mesmo toda a realidade e não mais nos remeter a referências exteriores. Este site passa, com acervos breves sobre as frases do artista, pois concentra-se em mais de 70% nas obras dos anos de 85-89, e, no que se refere ao texto, na apresentação do caráter da obra atual e do processo pelo qual o artista produz estas obras. Ou seja, o texto reflete sobre a produção recente e faz algumas considerações sobre o percurso criativo do artista.

A partir de 1974, com a série cor-pigmento-luz, o artista tem seu universo definido e o seu processo de trabalho cristalizado. Cláudio Tozzi não trabalha com a idéia impressionista da cor-luz e nem com as idéias ópticas da cor enquanto relação retiniana e, nem mesmo, com as idéias da física-química e das relações interdependentes da proximidade e variedade de cores. O que o artista coloca é a materialidade do pigmento e o dado fundamental do universo contido em si mesmo e da imagem como um objeto completo, sem referencias exteriores. A imagem como o único entendimento da imagem. As series seguintes tratam de elementos tipicamente brasileiros: a paisagem e os papagaios. A papagália e o trópico revisitado. Não há, do ponto de vista do processo, alteração para o seu próximo passo, a colcha de retalhos como assunto. Cor-pigmento-luz (1974-1975). Papagália e trópico revisitado (1979-1980), Colcha de retalhos(1980-1982), são aspectos do cotidiano brasileiro, signos da cultura popular, tais como o tapete popular, o papagaio, os coqueiros. O que o artista faz com estas imagens é despi-las de conteúdos míticos e de fabulário, para apresenta-las num universo metafísico, sem tempo, como um objeto exemplar, sem conteúdos emocionais. Esta serie toda, aqui separada pelos signos, é apresentada pelo artista sob um único titulo, o do Trópico Revisitado. E, na verdade, a separação neste período tem apenas o caráter didático e de apresentar os seus variados signos, já que o destino e a utilização destes é exatamente o mesmo. E a sua significação, dentro da obra do artista, é a de manifestar que a imagem, no seu caso, não se presta a outros jogos senão o do dialogo direto, o do contato sensorial e o do contato de caráter quase táctil.

Tozzi tem, nestes trabalhos, uma multiplicidade de pontos de vista, a abolição do conteúdo emocional da tradição, o esvaziamento das origens do tema e, por fim, a elaboração de uma obra que tenha, também ela, um sistema de feitura mecânico e progressivo. É a utilização de rolos de reticula expandida, imitação da reticula tipográfica, que confere ao seu trabalho este duplo caráter. O de um simulacro do universo da impressão e de um sistema mecânico de aplicação de cor.

A partir desta limpeza interna dos signos dos trópicos, como que liberto do peso de uma tradição social e individual, o artista demonstra a ação de seu trabalho numa serie de trama-reticula, aplicação dos recursos construtivos, base de seu trabalho e da aplicação da reticula expandida. Tudo leva a crer que o artista Cláudio Tozzi cumpriu um circulo complexo: as imagens do mundo, as imagens de seu país, as imagens lunares, as imagens da industria, a apresentação dos elementos da pintura, a visita ao berço tropical e a apresentação do processo de trabalho. É quando, cerca de 1984, Cláudio Tozzi envereda pelo universo das passagens, imagens labirínticas, escadas sem destino, suportes construtivos, objetos intrigantes. Como na série anterior, os pontos de visita se multiplicam (na colcha de retalhos, alguns dos objetos eram tridimensionais, podendo ser observados a partir de qualquer ponto), e com seus suportes excêntricos, acentuando a base construtiva criam vários pontos de atração visual.

Tozzi anota, abandonando o seu processador mecânico da reticula expandida, o caráter pessoal do trabalho. Ele volta ao pincel, dá valor a textura e faz uso de uma intervenção gestual. A emoção, neste caso, devido à própria ação motora do corpo, esta presente. E a criação de planos interdependentes forma um marcado caráter construtivo do trabalho. Ele age sobre o suporte, movimenta os planos e confere, de forma controlada e precisa, um caráter emocional ao seu trabalho.

Essas passagens têm um aspecto totêmico de nossa civilização. Talvez seja heresia falar em totem num trabalho de tanta racionalidade, construtivismo, elaboração do suporte e carga mínima da emoção E não há como tentar identificar estas imagens com sinais de nossa época. Elas, na verdade, podem ser tudo o que quisermos, no sentido da identificação com elementos exteriores a elas. Elas podem ser escadas, labirintos, torres, cidades, corte transversal e irregular de um sólido cromatizado. Não há limites para a imaginação justamente porque há um total limite para a imaginação. Elas são o que são. É a ausência da significação, é a tentativa de não fazer recair sobre elas emoções tradicionais vinculadas a determinados objetos, é a sua alto-suficiencia, o que faz dela um totem de nossa época. Um ser despojado e capaz de despir-se da nossa imaginação e de não permitir a antropomorfização de sua realidade. Ele é o que é. É inútil a tentativa de cobri-lo ed outras vestes. Ele está nu e inteiramente vestido. É um ser do espírito. É uma entidade cultural. É o totem de uma sociedade não mítica. É o totem de uma sociedade que, lentamente, despe-se de vestes incomodas de uma verbalidade cegante em favor e um encontro puro e sem outras intenções com o objetivo existente. E Cláudio Tozzi colabora para isto, elaborado e não confessional da obra criada. "

Jacob Klintowits