primeiros tempos
Cláudio Tozzi inicia sua atividade como artista plástico em 1963, através de uma obra gráfica, e ganha o concurso para o cartaz do XI Salão Paulista de Arte Moderna. Formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo em 1968, freqüentou o velho prédio da FAU, na Vila Penteado, um casarão de estilo art-nouveau na rua Maranhão, onde ficavam os cursos de formação em Arquitetura. A proximidade com as faculdades de Economia e de Filosofia, Ciências e Letras, ambas da USP, e da Universidade Mackenzie, criava um espaço urbano altamente politizado, onde a temperatura dos debates ideológicos muitas vezes se elevava e se transformava em conflitos e enfrentamento entre estudantes de direita e de esquerda, sobretudo a partir do golpe militar de 64.
Na velha FAU, como é hoje chamada, fermentavam os sonhos de liberdade e de profundas transformações culturais. Tanto se discutia política e se projetava a revolução socialista, como se radicalizavam posições a respeito dos caminhos da bossa-nova e da cultura brasileira. Chico Buarque de Hollanda havia freqüentado, como aluno, as aulas na rua Maranhão. E foi também na velha FAU que grupos de estudantes vaiaram e expulsaram Caetano e Gil, considerados portadores de influencias alienígenas na musica popular.
A produção artística desse período foi profundamente marcada pelas propostas dos CPC - Centros Populares de Cultura, criados em 1961. O manifesto do CPC, inserido em "A Questão da Cultura Popular" escrito por Carlos Estevão Martins em 1963, quando era presidente do CPC, e o livro "Cultura Posta em Questão" de Ferreira Gullar, publicado em 1964, exerceram enorme influencia na criação artística, sobretudo no cinema e no teatro, mas influenciaram, também na maneira significativa, os ambientes intelectuais e o pensamento da década de sessenta no Brasil.
A arte, naqueles anos, parecia não poder sobreviver fora da preocupação com a transformação política e social. Ferreira Gullar chamava a atenção, no seu livro, para a necessidade de a cultura ser colocada a serviço do povo, e afirmava que não seria em nome de supostos compromissos de vanguarda (no sentido cultural e artístico) que o escritor (ou o artista) deixaria de engajar-se, uma vez que a evolução histórica estaria a indicar que as formas de arte desligadas da massa não subsistiram.
Cláudio Tozzi, integrado à vanguarda de seu tempo, compartilha dessa preocupação. O engajamento em relação às massas está presente desde os seus primeiros trabalhos. Mais tarde, Tozzi, em um depoimento realizado em 1977, afirma: "Uma das características da arte brasileira de vanguarda dos anos sessenta é a preocupação com o coletivo. Na pintura refletia-se, principalmente, a temática social. Os fatos políticos eram narrados pela figura; a obra exigia do espectador não apenas uma atitude de contemplação, mas tinha o intuito de incitar seu pensamento, leva-lo à reflexão e ao debate(...). importante também é o seu conteúdo-significado e a linguagem utilizada: a apropriação da linguagem usada nos meios de comunicação de massa, desde sinais de transito, letreiros, 'outdoors', história em quadrinhos, até os processos fotomecânicos de reprodução (...)".
Nesses anos ocorria uma enorme transformação na pintura, em todo mundo. Emergia nos Estados Unidos a Pop Art e uma nova figuração ocupava o lugar de vanguarda sobre as tendências do abstracionismo geométrico e informal que haviam dominado a década precedente, os anos cinqüenta. No Brasil essas idéias tiveram, imediatamente, enorme repercussão. Mario Schenberg, um dos críticos de arte mais atuantes nesse período, caracterizou o movimento como um novo realismo: "O surto do movimento foi marcado pelas exposições "Opinião 65", na Guanabara, e "Propostas 65", em São Paulo, assim como pela premiação de Wesley Duke Lee, em Tóquio, e de Antonio Dias e Roberto Magalhães, em Paris. Assim, o novo realismo brasileiro já se apresenta como corrente artística de significação internacional. Com o declínio do informalismo, tornou-se bem claro o inicio de um período da arte contemporânea. Parece muito provável que o novo realismo na arte seja apenas um aspecto de um movimento humanista, que afetaria todos os aspectos da vida social e espiritual do homem no ultimo terço deste século, tão atormentado e revolucionário."
Helio Oiticica situa a vanguarda das artes plásticas no Brasil, nos anos sessenta, no contexto da nova objetividade. Oiticica afirma que "o gradativo surgimento dessa objetividade, que se caracteriza em princípio pela criação de novas ordens estruturais, não de "pintura" ou "escultura", mas de ordens ambientais, o que se poderia chamar de "objetos".
Esses conceitos, tanto de Schenberg, quanto de Helio Oiticica, estão presentes nas obras de Cláudio Tozzi realizadas naquele período. Ele mesmo dizia que o quadro deixa de ser "de cavalete" a passa a ser "Objeto". Os objetos gráficos que Tozzi produziu naquela época procuravam um tratamento de linguagem visual que desse clareza às suas temáticas sociais. Não há retóricas plásticas. A narrativa obedece muito mais as regras gráficas de impressão, do que os princípios pictóricos da narrativa figurativa. A linguagem é direta, objetiva. Cláudio Tozzi apropria-se das imagens de maior poder de comunicação e de significado junto às massas. Não utiliza apenas os símbolos permanentes como a bandeira dos Estados Unidos, mas, também, aqueles símbolos transitórios, conjunturais, de extraordinária forca de conteúdo popular no momento da apropriação da temática pela sua pintura, como é o caso do "Bandido da Luz Vermelha", também abordado por Rogério Sganzerla num dos filmes mais importantes da cinematografia brasileira.
Levar sua produção artística para fora dos espaços convencionais das artes plásticas, como galerias ou museus, foi outra preocupação presente desde o inicio de sua carreira. Cláudio Tozzi procurava comunicar-se com o público mais abrangente. O artista, através da sua obra, quer participar do espaço urbano, quer que seus trabalhos sejam vistos nas ruas e nas praças pela multidão. Sua linguagem se estrutura nesse sentido, isto é, atuando como elemento de impacto frente à dinâmica do contexto cultural. Sua obra procura identificação com situações reais. Chega, em determinados momentos, a ganhar o caráter panfletário de forte conteúdo social, e até mesmo revolucionário, como quando Cláudio Tozzi foi vender nas praças de São Paulo e nos estádios de futebol a serigrafia "Guevara Vivo ou Morto", a preços populares, na época dos trágicos acontecimentos que culminavam com a morte do líder revolucionário na Bolívia.
O engajamento aos problemas da realidade social, como projeto do fazer artístico, foi uma das características das artes plásticas na segunda metade dos anos sessenta, e que envolveu um grande numero de artistas, que criaram com suas obras situações de enfrentamento cultural e político, nos debates que se radicalizavam naquele período. Mas Cláudio Tozzi foi um dos raros artistas cujo "engajamento artístico" se deu não apenas nas temáticas de sua obra, mas como um processo contínuo de trabalho, determinado também, em parte, por um compromisso cultural que não se restringia às artes palsticas.
Cláudio Tozzi desenvolveu uma trajetória em que o pensamento e a experimentação estiveram sempre presentes, nas diversas fases da sua obra. Tozzi não é intuitivo; ao contrario, é reflexivo e metódico. As imagens são construídas com forte influencia gráfica, desde de seus primeiros trabalhos. Ainda hoje, apesar da cor ser sua preocupação dominante, Cláudio Tozzi continua a produzir "imagens gráficas".
Essas características gráficas e a simplicidade de tratamento aparecem desde os trabalhos "Paz" e "Guerra e Paz", ambos produzidos entre 1963 e 1964. Apesar de serem obras de um artista iniciante já trazem a preocupação de construir imagens socialmente comprometidas, e já introduzem apropriações gráficas na composição de seu "material sociológico".
A forca compositiva da obra "Paz" se deve à estrutura compacta dos diversos elementos que formam sua mensagem. Embora de caráter linear, cada espaço isolado atua significativamente sobre outro, e os três se articulam para formar uma unidade compositiva sob tensão. Com esse trabalho, Cláudio Tozzi já se situa na vanguarda artística daquele período.
Já o quadro "Guerra e Paz" é de conteúdo mais dramático. Com suas colagens de fragmentos de jornal, realizadas numa aparente desordem compositiva, traz certos elementos do expressionismo abstrato, que não vão aparecer mais em sua obra. Nos jornais rasgados pode haver influencia de Rotella, um dos artistas mais interessantes daquela época, italiano, um dos iniciadores da "decollage", dos cartazes de ruas destacados como fragmentos da iconografia urbana. Os fragmentos rasgados aparecem nessa obra de Tozzi como indícios de situações sociais, como pedaços de documentos da realidade.
Observa-se também, nesses dois trabalhos de Cláudio Tozzi, um interesse pela linguagem que Sergio Ferro e Flavio Império desenvolviam naqueles anos, ambos também ligados à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, e ao movimento do novo realismo.
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