Terços "blasfemos" de Márcia X.


Márcia X. na Casa Petrópolis julho 2002


Acredito que o Vaticano organizado como é, deve ter um arquivo que relaciona aqueles que ofendem a Santa Madre Igreja, através de palavras, idéias ou ações.
Se assim for, Márcia X., aliás, Márcia Pinheiro deve figurar na lista negra.


Na época da Inquisição Márcia não estaria na lista. Estaria queimada!!!
Torquemada, na Espanha, no século XV, levaria Márcia à fogueira.

Quinhentos anos passados no Rio de Janeiro do carnaval, do fio dental, do show de bundas e de peitos, há quem queira se fazer de Torquemada.

Não vou dar ao presidente daOpus Christi, organização católica que entrou na Justiça contra a exposição "Erótica " Os Sentidos na Arte", no CCBB, Centro Cultural Banco do Brasil do Rio, o prazer de ver seu nome associado à retirada da obra, "Desenhando em Terços", de Márcia X. da mostra.

A meu ver, retirá-la foi um erro. Grave.

A exposição esteve no CCBB paulistano de 8 de outubro de 2005 a 8 de janeiro do corrente. Foi vista por 56.000 pessoas.

Ninguém se manifestou contra Desenhando em Terços, uma ampliação de 40 x 50 cm de um fotograma que reproduz dois terços, parte da instalação Desenhando com Terços.

Essa instalação foi realizada por Márcia na Casa Petrópolis " Instituto de Cultura, em julho de 2202. Naquela ocasião Márcia usou 500 terços. A performance /instalação durou seis horas. Ninguém da Opus Christi se manifestou. Nem a Igreja.

Márcia, dos anos 2000 até o fim de sua curta vida, estava com 45 anos, quando morreu em fevereiro passado, sempre foi crítica quanto à religião. Sobre Desenhando com Terços, Pancake, Ação de Graça, Ex-machina e Cair em Si, criadas entre 2000 e 2002 disse: "são performances/instalações reunindo componentes característicos da religiosidade brasileira e de obsessões culturalmente associas às mulheres, como sexo, beleza, alimentação, rotina, consumo, limpeza.
Nestes trabalhos, imagens e ações habituais parecem contaminadas pela lógica dos milagres, contos da carochinha, sonhos e pesadelos".

Estas poucas linhas mostram claramente o que pensava e o que fazia Márcia X.

Nunca se escondeu e jamais negou o conteúdo anti-religioso de sua obra. Enquanto viveu que eu saiba, nenhuma organização ou mesmo a Igreja tomou conhecimento de suas ações.

Agora, morta, querem transformá-la em herege, blasfema, atéia. Ímpia, Em suma, levá-la à fogueira.

Há meses vimos muçulmanos no Oriente Médio investirem contra embaixadas européias, queimarem carros, intimidarem europeus em varias capitais. A publicação de charges em jornal dinamarquês em que o profeta Maomé aparecia, foi a causa da reação que chegou a assumir proporções alarmantes. Condenadas e criticadas mundialmente.
Sabe-se hoje que 50 pessoas foram mortas por causa das charges.

Por mais absurdo que seja é compreensível que Bin Laden hoje peça a cabeça dos "heréticos e ateus que denigrem a religião e ofendem Alá e Seu Profeta" e investem contra o Islamismo.

As ameaças de morte de Bin Laden foram divulgadas domingo passado em Dubai pela rede de televisão Al Jazira. Três dias antes a direção do Banco do Brasil retirou "Desenhando em Terços" da mostra carioca.

No momento em que em Jerusalém o cardeal Martini aborda sem preconceitos o uso da camisinha, do aborto legal, da adoção de crianças por celibatários e em Roma o Vaticano discute com maior abertura essas questões, o anacronismo da ação da Opus Christi é no mínimo suspeita.

A intenção da Opus Christi de proibir a exibição de "Desenhando em Terços" em todo o país, por considerar a obra "blasfema", ultrapassa todos os limites do bom senso. Tudo indica que os objetivos dos torquemadas de ocasião estão além das razões alegadas.

Os nazistas de Hitler primeiro proibiram livros e obras de arte. Depois as queimaram em grandes fogueiras. Em seguida construíram os fornos crematórios. Começa assim. Onde vai chegar, nunca se sabe.

São Paulo 25 de abril de 2006 12H00 Carlos von Schmidt