Qualquer semelhança não é mera coincidência
“As ruas serão nossos pincéis, as praças nossas paletas”. Mayakovsky. 1917
Duas exposições. A primeira, Century City: Art and Culture in the Modern Metropolis, em Londres, na Modern Tate. De 1º de fevereiro a 29 de abril de 2001. A segunda, Iconografias metropolitanas, em São Paulo, na 25ª Bienal Internacional. De 23 de março a 2 de junho 2002.
A londrina apresentou nove metrópoles. A paulistana, doze. Onze cidades verdadeiras uma imaginária, utópica: A Cidade Prometida. Em Century City estabeleceu-se um tempo, um período para cada cidade. Isso permitiu alinhá-las cronologicamente: Paris, 1905 a 1915. Viena, 1908 a 1918. Moscou, 1916 a 1930. Rio de Janeiro, 1950 a 1964. Lagos, 1955 a 1970. Tokyo, 1969 a 1973. New York, 1969 a 1974. Londres, 1990 a 2001. Bombay-Mumbai, 1992 a 2001.
Pode-se em vôo de pássaro a partir das metrópoles selecionadas e do período de 1905 a 2001, visualizar múltiplos fatos sócio-politicos-militares em quatro continentes: Europa: Paris, Viena. Moscou, Londres. Américas: Rio de Janeiro e New York. África: Lagos. Ásia: Bombay-Mumbai e Tokyo.
Nesses quase cem anos, nessas cidades centenárias, foi enorme a quantidade de acontecimentos e de pessoas que direta ou indiretamente afetaram as metrópoles mencionadas: Matisse, Fauvismo, Picasso, Braque, Cubismo, duas guerras mundiais, Freud, Hitler, revolução russa, Stalin, bomba atômica, Vietnã, Neil Armstrong, Woodstock, os hippies, make love not war, Andy Wharol, Pop Art, Beatles, feminismo, Getúlio, Juscelino, Bossa Nova, Cinema Novo, Brasília, Maconha, LSD, Niemeyer, Jânio, Castelo Branco, Neoconcretismo, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Margareth Tatcher, Diana, Aids, Ecstasy, Viagra, bienais, terrorismo, mega exposições.
A lista é enorme. Não tem fim. Os fatos e nomes sumariamente alinhavados possibilitam reflexões sobre as cidades, as influências e modificações sofridas .Sobretudo como a arte e a cultura reagiram ou deixaram de reagir ao espírito do tempo. O famoso zeitgeist dos alemães.
Idealizada e conceituada no início de 1998 por Iwona Blazwick, curadora responsável pelas exposições do Modern Tate, Century City foi coordenada, dirigida e organizada por Emma Dexter, Donna de Salvo, Susan May e Sarah Tinsley, curadoras da entidade.
Essas cinco mulheres selecionaram e convidaram profissionais de reconhecida capacidade em suas áreas, história da arte, crítica, cinema, literatura e outras, para interpretar suas metrópoles no período estabelecido.
Emma Dexter e Donna de Salvo, da Tate, atuaram também como curadoras . A primeira respondeu por Londres. A segunda por New York. O nigeriano Okwui Enwezor, atual curador geral da 11ª Documenta foi responsável por Lagos. Pelo Rio de Janeiro, Paulo Venancio Filho. Nas artes plásticas destacou Hélio Oticica e Lygia Clark. Sua curadoria revelou o que lhe pareceu mais pertinente nas outras áreas no período estabelecido. Os responsáveis pelas outras cidades não deixaram por menos.
Assim, Century City mostrou através da arte, não apenas das artes plásticas, a grandeza e a miséria das grandes metrópoles. O crescimento desordenado, a super população, a falta de habitação, de emprego, os sem-teto, a violência, as greves, os choques raciais e religiosos e muito mais.
As pinturas, esculturas, fotografias, filmes, design, moda, vídeos, danças, teatro, performances, instalações e a literatura procuraram falar dessas mega cidades e de seu tempo.
Corresponderam aos conceitos enunciados de que a “metrópolis atua como cadinho para inovações...Em tempos e lugares diferentes, durante o Século Vinte, a energia da metrópole moderna possibilitou explosões culturais em que a arte a arquitetura, a moda, a música,,o cinema e o teatro floresceram em intercâmbios dinâmicos e radicais”.
E Iconografias contemporâneas? À rabeira da mostra inglesa a exposição paulistana na sua amplidão e indefinição de conceito, objetivou demonstrar como “correntes de energia urbana influem nos artistas contemporâneos”. Além disso partiu da premissa de que “as metrópoles definem substancialmente o perfil da criação artística”.
Mas na prática a teoria é outra. Basta ver a arte que se faz em São Paulo e no Rio de Janeiro para se constatar a ausência quase absoluta da “energia urbana”. Em outras cidades por esse Brasil afora isso é mais do que evidente.
Acredito que as metrópoles não “definem substancialmente o perfil da criação artística”. Se assim fosse esta “desvairada” megalópole que é São Paulo teria um perfil artístico pantagruélico! Gigantesco! Inigualável!
Não tem!!!. Aliás gostaria muito de saber que perfil é esse ? Onde ele está? Como posso encontrá-lo?
A New York, Londres, Moscou e Tokyo de Century City, Iconografias acrescentou sete cidades: Caracas, Berlim, - que surpreendentemente não constou da exposição da Tate, - Johannesburg, Instambul, São Paulo Sydney e Pequim.
Se em Londres a seleção das metrópoles obedeceu a critérios determinados de importância histórica, cultural e artística em São Paulo o que contou foi à subjetividade. Isso explica mas não justifica a presença de algumas cidades tão importantes histórica, artística e culturalmente quanto Butiá.
Nesse contexto a ausência da cidade do México é gritante. Inexplicável. Posso não morrer de amores por Orozco, Siqueiros e Rivera, mas não posso ignorar o Muralismo mexicano. Vai daí Caracas fica na contra-mão. Alinhar as falhas, os erros, os equívocos, as coincidências, as semelhanças, seria longo e cansativo. Fico por aqui.
Ao visitar a 25ª Bienal, em especial Iconografias contemporâneas, a sensação de déjà vu não me deixou. Havia algo de requentado. De banho-maria. De segunda mão. Deixei a 25ª Bienal Internacional de São Paulo, frustrado.
De volta para casa passando pela Cicinato Braga, rua em que Claude Lévi Strauss morou nos anos 30, pensei no antropólogo. O quê acharia de Iconografias contemporâneas? E da Cidade Prometida. Da metrópole utópica? Afinal viu São Paulo quando a cidade era basicamente horizontal. Gentil. Aqui trabalhou e viveu. Foi aqui que a idéia de Tristes Trópicos nasceu.
O quê diria Lévi Strauss? Ele que escreveu que nossas cidades envelheciam prematuramente e entravam em decadência antes de chegar ao apogeu. E de Certeau que foi a fundo no cotidiano das cidades ? E Ítalo Calvino? Que em As Cidades Invisíveis escreveu “As cidades como os sonhos, são construídas por desejos e medos... De uma cidade não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a reposta que dá às nossas perguntas”. O que diriam os três. Gostaria de saber...
Carlos von Schmidt
Curador e Crítico de arte
São Paulo, 23 de julho de 2002
NR Carlos von Schmidt Foi curador da 15ª Bienal Internacional de São Paulo em 1979 e curador internacional da 20ª Bienal Internacional de São Paulo em 1989.
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