Polaróide e Grafite
As informações são muitas. Há uma semana convivo com textos e imagens de Andy Warhol, Jean-Michel Basquiat e Keith Haring.
Na Internet o volume é colossal. Milhares de páginas.
Em minha estante, alguns livros falam dos três.
Às vezes a quantidade de informações é tão grande que tenho de dar um tempo. Preciso parar. Desligar.
É a hora de esvaziar a xícara para poder apreciar o chá. Para sentir o gosto de novo.
Ko-yu do-ni, mestre zen , do mosteiro de Tofukuji em Kyoto, em 1º de agosto de 1990 disse me que o chá tem que ser tomado devagar. Ou então, não tomar.
Não esqueci.
Esvaziei a xícara para escrever este texto sobre as exposições de Keith Haring, no 2º e no 3º andar do Centro Cultural do Banco do Brasil em São Paulo e de Andy Warhol no sub solo.
Seria realmente metafórico ver a exposição de Haring no sub solo. Afinal ele passou boa parte de sua vida de artista no subway de New York.
Mas, o tamanho das pinturas e o da exposição, não permitiu tal sutileza.
Nos dois andares dedicados a Haring 56 desenhos e pinturas revelam um artista maduro, dono do seu metiê, com pleno domínio técnico e artístico.
A meu ver a mostra seria perfeita sem a série de desenhos a nanquim e a sumi, realizada em Ilhéus, Bahia, em 1988 e 89.
Os retratos de jovens baianos que despertaram a atenção de Haring, homossexual assumido, para mim está totalmente fora do conceito e do contexto da mostra. Não tem nada a ver.
É a nota que desafina. Destoa.
Tivessem Nessia Leonzini e Julia Gruen resistido à tentação de boa vizinhança e excluído esses desenhos, em tudo e por tudo, anti Haring, mais para academia do que para grafite, a expô de Keith Haring , nas belas paredes amarelas, seria impecável. Mas...
Ao ver as polaróides de Andy Warhol no subsolo lembrei de exposição que reuniu os primeiros trabalhos, desenhos, ilustrações, colagens e muitas fotos do artista em seus primeiros anos em New York.
Entre as ilustrações estavam as feitas para a revista Glamour para o artigo de Hazel Wood, Sucess is a career at home, Sucesso é uma carreira em casa.
Inspirado nesse título Andy criou a celebre frase Sucess is a job in New York, Sucesso é um emprego em New York.
Para Warhol, New York significava fama, dinheiro, sucesso. Conseguiu os três. As polaróide na parede retratam pessoas para quem a fama, dinheiro e sucesso também eram prioridades .
Selecionadas entre milhares pela curadora Nessia Leonzini as polaróides estão apresentadas na seguinte ordem: celebridades, começando por Andy Warhol com peruca escandalosa.
Outros famosos como Truman Capote, em 1977, gordo, semicalvo, sem nada da beleza de quando escreveu Others Voices and Others Rooms, Pelé em 1977 , com jeito de menino, Diana Vreeland em 1973, ditadora poderosa das revistas de moda feminina, Liza Minneli em 1977, ano em que fez New York, New York, de Scorcese, alinham-se lado a lado de outros trinta e quatro ricos e famosos.
Depois das celebridades, os mitos : Aqui o kitsch, a cafonice, impera.
Tio Sam a Dracula via Mamãe Gansa e outras figuras da mitologia popular, cultuadas e amadas, fazem parte de um elenco encerrado por auto-retrato do artista. Dos mitos, o menos cafona. Mas, mesmo assim...
Não fossem as fotos de sapatos Objetos , representados por cruzes e ovos de Páscoa, este módulo não faria a menor falta .
O sapato foi na obra de Warhol um fetiche cultuado e amado desde 1949, Em setembro daquele ano a revista Glamour reproduziu os primeiros desenhos de sapatos de Andy.
Desde então desenhou muitos sapatos. Boa parte para anúncios da I. Miller. Mas, a imagem de sapato que guardo na memória é o Za Za Gabor
Shoe, de 1956. Simplesmente genial. Uma colagem que merece artigo à parte.
Drag Queens é o penúltimo segmento. Meias dúzias de fotos nada significativas de drags dos anos 74 precedem, Auto-Retrato.
Aqui, o que não encontramos nas drags explode nos 4 auto-retratos em que Andy solta a franga.
Em três, travestindo-se de mulher, faz das perucas platinum blonde signo pessoal. Essas fotos são de 1981. Nesse mesmo ano Christopher Makos fotografou Warhol com a mesma peruca, gravata e camisa branca usada em um dos auto-retratos. É The artist alter ego. É o alter ego do artista.
O ponto de partida para essa foto foi um retrato de Marcel Duchamp travestido de Rrose Sélavy. Personagem cujo nome é um anagrama de La vie en rose, A Vida é rosa.
Para quem adorava se perfumar com Chanel nº 5, como Marylin Monroe ou com Shalimar, travestir-se e exibir-se foi experiência memorável.
Se a pop art faz faz parte de suas predileções estas duas exposições são fundamentais . São exemplares.
Atenção curadores ou candidatos a ser. Vejam como se faz. Prestem atenção nos catálogos. Pequeno mas completos. Nas montagens. Cuidadas. Profissionais.
Sem invencionices, penumbras, cenários e outras bobagens muito em moda. Exposições antológicas.!!!
Carlos von Schmidt
4 de junho de 2003 2horas35
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