Parade
A noite estava agradável. A lua cheia, brilhava. Na Oca de Niemeyer milhares de pessoas aguardavam ansiosas o fim do discurso de um Monsieur francês. Falou mais de 20 minutos. Chatíssimo. Depois falou o representante do ministro da Cultura e da prefeita. Clichês e 0bviedades. 10 minutos de falação desnecessária.
A ausência do ministro e da prefeita em exposição da magnitude de Parade, que cobre l00 anos de arte, deixa claro a quanto andamos em matéria de cultura. Aliás, pensando bem , nenhum nem outra fizeram a menor falta.
Curtos, rápidos e inteligentes, o curador francês e Edemar Cid Ferreira com vivas ao Brasil e a França, para a alegria geral, abriram a mostra Parade 1901-2001.
Há muito não via exposição tão conseqüente. No momento não acredito que exista outra mostra em São Paulo e no Brasil, de tal grandeza
Picassiano convicto, fui direto ver a cortina que Picasso fez para o balé Parade. O pano de boca mede l60 metros quadrados. Foi pintado por Picasso, três russos, pintores de cenários do Balé de Diaghilev e por um francês de nome Socrates.
Esta é a segunda vez que uma obra de Picasso de grandes dimensões deslumbra-me. A primeira foi Guernica, em l953, na 3ª Bienal Internacional de São Paulo. No prédio em que funcionava a Prefeitura. Agora, Parade deixou-me sem fala.
Em 1916/7, ignorando completamente o cubismo iniciado dez anos antes, Picasso deixou-se levar pelas imagens do circo Medrano que freqüentava nos tempos do Bateau Lavoir.
Sem a menor hesitação voltou aos acrobatas, arlequins, equilibristas, cavalos, macacos, às dançarinas presentes nas pinturas da fase rosa de 1905, abandonada pelo cubismo de 1907, iniciado com Les Mademoiselles d'Avignon .
Esboçada em Roma, na Cave Taglioni na via Margutta, onde o Balé Russo, ensaiava, a cortina e os figurinos de Parade não foram executados na Itália ao contrário do que se divulgou por muito tempo, mas nos ateliês de pintura e costura de Buttes-Chaumont em Paris.
Para Picasso a pintura da cortina e a criação dos figurinos foi depois de vários fatos triste, como a morte de Éva em dezembro de 1915, a ida de Braque, de Apollinaire para guerra, a de Gertrude Stein para a Espanha, espécie de exorcismo, de volta à vida .
Quem hoje vê na cortina de Parade na Oca o potrilho ao lado do cavalo alado, o macaco que guia a dançarina na subida ao céu , o melancólico arlequim , não pode imaginar o mar de intrigas, fofocas, puxadas de tapete que existiu por trás da realização do balé envolvendo Picasso, o compositor Erik Satie, responsável pela música e pelo pai da idéia do balé, Jean Cocteau .
Satie e Picasso uniram-se contra Cocteau. Ambos acreditavam que suas idéias eram melhores do que a do jovem poeta e pintor. Assim, sempre que puderam enrolaram Cocteau, enquanto modificavam o balé.
Mas, nada doeu mais a Cocteau que tinha profunda paixão por Picasso do que descobrir na noite da estréia que a autoria da coreografia do balé Parade fora atribuída no programa ao primeiro bailarino, Leon Massine, substituto de Nijinsky, amante e protegido de Diaghilev.
Indiferente ao que se passava com Cocteau, à beira de um ataque de nervos, Picasso vestindo um sweater vermelho de gola roulé ouviu sem dar a mínima as vaias e os aplausos de um publico em que as casacas e longos contrastavam com uniformes de militares e enfermeiras.
No Châtelet Theatre , um dos maiores de Paris, lotado, ricos e famosos faziam o que sempre fazem, exibiam-se.
Era a noite de 18 de maio de 1917. A guerra continuava feia. Milhões de soldados de ambos os lados já haviam morrido. O fim só chegaria em novembro de 1918.
Ano em que Picasso se casou com Olga Klokova, bailarina de Diaghilev. A guerra nas trincheiras terminou. A de Picasso e Olga estava apenas no começo. E foi terrível. Tão devastadora quanto a 1ª Grande Guerra Mundial. Picasso sobreviveu. Olga, não.
Dizem que a bailarina na escada e o macaco da cortina seriam Olga e Picasso. Talvez... Quando Picasso pintou a cortina levar Olga para a cama era seu alvo principal. Levou, casou, deu no que deu. Um desastre .
A exposição que veio do Centre Georges Pompidou é única. Sem dúvida voltarei ao assunto.
CVS/cvs l4/10/2001 2,45 da manhã.
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