Neorealismo socialista na documenta 11???

Dez anos após o término da 2ª Guerra Mundial, depois de um grande silêncio, justificável e compreensível, a arte da Alemanha voltou à cena em Kassel.

Foi a partir da documenta 1, realizada naquela cidade, praticamente destruída pelos bombardeios anglo-americanos, pois fazia parte do complexo industrial militar alemão, que a Alemanha voltou a integrar os circuitos de arte mundial.

De l955 até nossos dias, mais do que Berlim ou qualquer outra cidade alemã , Kassel polarizou a atenção de artistas, da crítica e de historiadores de arte.

A seriedade de seus dirigentes e responsáveis tendo à testa o professor e pintor Arnold Bode não deixou dúvidas quanto aos objetivos da mostra internacional qüinqüenal: apresentar em Kassel os nomes mais expressivos da arte alemã e da Europa.

Na documenta 1, realizada de 16 de julho a 18 de setembro de 1955, foram apresentadas 570 obras de 148 artistas de 6 paises. Montada no Museum Fridericianum ainda em ruínas, obras de Picasso, Calder, Max Bill , Henry Moore e de outros artistas tão importantes quanto, alinhavam-se ao lado de obras de artistas reunidos pelos nazistas em Munique, em 1937 na famigerada mostra denominada <í> Entartet Kunst, Arte Degenerada.

Enquanto durou o 3º Reich de Hitler, os artistas expostos na Entartet Kunst foram proibidos de expor, de mostrar suas obras, de lecionar. Bode fazia parte desse grupo mantido à distância, isolado. Muitos foram presos.Outros exterminados em campos de concentração.

Albers, Beckmann, Feininger, Grosz, Hartung, Kandinsky, Klee, Kokoschka e Schwitters conseguiram fugir.

Independente do valor político e social da mostra, a importância artística da documenta 1 ficou mais do que patente. O sucesso foi imediato. Durante décadas permaneceu inquestionável. Mas, isso mudou.

À medida que curadores como a francesa Catherine David, (documenta 10,1997) e Okwui Envezor, (documenta 11, 2002), nigeriano naturalizado norte-americano, que vive entre New York e Londres, passaram a privilegiar o político em detrimento do artístico, a documenta deixou de ser o que era.

Nesta última, pintores e escultores foram substituídos por vídeomakers e cameramen. Instalações em grande número ocuparam grandes espaços. Das críticas que li sobre a documenta 11, publicadas na Artforum de setembro, a de James Meyer, professor de História da Arte na Emory University de Atlanta , USA, foi a que me falou mais .

Como a maioria de críticos Meyer chama a atenção para o excesso de vídeos, filmes e fotos. Sobretudo para a enxurrada de documentários politicamente engajados, com pretenções de sê-lo.

Associar o realismo desses filmes ao Realismo Socialista de Stalin à arte a serviço do nazismo, foi um passo. Meyer cita documentários que mostram o trabalho desumano em minas da África do Sul e acampamentos de refugiados palestinos em que se destaca a miséria e as condições precárias de vida . Ambos considerados pontos altos da documenta.

Meyer questiona? E o outro lado da moeda. Como é que fica? Ninguém mostra, apresenta? Onde estão os documentários que mostram a ação destruidora da guerrilhas na África. As crianças mortas em ônibus escolares em atentados em Israel?

Transformada em Muro de Lamentações, a documenta 11 deixou de cumprir sua função principal, mostrar o que artistas do mundo inteiro estão fazendo, não importa onde, como, quando? Independente do suporte.

Considerando-se o contexto da atual documenta 11 pode-se afirmar sem medo de errar que Cidade de Deus seria na mostra de Kassel um retumbante sucesso. O impacto seria cem vezes maior do que provocado pelos picolés de água de Cildo Meireles.

Ao ler críticas publicadas na Alemanha e nos Estados Unidos, ao ver imagens na Internet, perguntei-me :É por aí ? É esse o caminho? Tenho certeza que não!!!

Ficou provado que toda elucubração teórica desenvolvida através das Plataformas de Evenzor e seus co-curadores durante meses em vários países não levou a nada. Deu nisso que deu. Uma documenta dissociada da realidade artística mundial.

Soube que é intenção da Fundação Bienal de São Paulo seguir o modelo de Kassel. Depois da 25ª Bienal inspirada na inglesa Century City, a 26ª nas 5 Plataformas de Kassel será dose para elefante. Cruz credo!!!



Carlos von Schmidt
27 de setembro de 2002