Narciso, muito prazer!
O volume de informação é gigantesco. Um Everest de notícias, faladas, escritas. Imagens impressas, filmadas,
digitalizadas ou não, ocupam minha mente. Às vezes sinto-me afogar, sufocar, como o discípulo do mestre Zen.
Ao revelar-lhe suas inquietações pois não conseguia absorver mais nada ouviu o seguinte conselho:"Quando uma xícara
de chá está cheia para enche-la de novo é preciso esvaziá-la".
Procurei esvaziar minha xícara e mentalmente repassei o que tenho visto. De tudo restou uma exposição, Auto-Retrato
espelho de artista. É de longe mais inteligente do que a Bienal dos Anos 50, do que o Resgate de Tunga no
Banco do Brasil.
Não é uma exposição que leva milhares de pessoas a entrar e permanecer em fila para ver múmias e sarcófagos. Ainda
não cheguei a essa sutíl necrofilía. Há quem goste. Os mexicanos, adoram. Os egípios também. Hoje, nem tanto.
A morte e todo a parafernália que a cerca é de profundo mau gosto. É tudo muito feio, brega, cafona. Não importa
se o sarcófago é de ouro ou de cristal. É um horror!!!
Os funerais são trágicos. Quando de figurão, o caixão em cima do carro de bombeiro é um espetáculo lamentável. Carro
de bombeiro é para apagar incêndio. Não é carro fúnebre. Por falar neles, onde foram parar? Havia alguns dignos de nota.
Não imaginem que sou necrófogo. Não sou.
Em Veneza, há muitos anos, vi um funeral passar de gôndola. Gostei. Achei bonito. Parecia coisa de filme. Toda de
preto, chapéu e óculos, a viúva era também uma beleza.
Divagações à parte, prefiro as pinturas de Lascaux e de Altamira, a Venus de Willendorf da Áustria, mais vitais. Menos mórbidas
e faraônicas do que a arte funerária que os franceses pilharam do Egito. Acredito que em tempos de leitura digital,
hieróglifos não tem vez nem hora. Não estão com nada.
Na verdade, quando o homem de Cro-Magnon as desenhou, pintou, esculpiu, retratou-se, identificou-se. A mostra que
Kátia Canton idealizou e realizou, nada mais é do que um RG coletivo. Em cada auto-retrato o artista identifica-se,
assume sua identidade. Ou não. Pois pode muito bem revelar apenas o que acha oportuno mostrar.
No catálogo há uma frase do escritor Manoel de Barros que acredito ser um ponto de partida para qualquer análise
de um auto-retrato: "Com pedaços de mim, eu monto um ser atônito". Só pode ser por aí. Atônito e perplexo. Mais longe
foi a poeta portuguesa Florbela Espanca em um de seus poemas. Um verso diz: "andava atrás de mim e não me via".
Esse não se ver é que determina o auto-retrato. Essa procura do outro que existe em nós. De um modo ou de outro
induz à busca do Narciso que todos carregamos. E, que pode estar no lago, no espelho, no auto-retrato.
Auto-retrato espelho de artista, do MAC está na FIESP, Avenida Paulista 1313, tel. 284-3639. A curadoria é de Kátia
Canton. A exposição acaba em 8 de julho.
Carlos von Schmidt/cvs 18/6/2001 19h
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