ESPADA NA TARDE

Ao sair para encontrar José Roberto Aguilar, em seu ateliê/casa na rua Dr. Luiz Barreto, no Bexiga, não podia imaginar que horas depois ao regressar para meu home/office empunhasse uma espada. Um katana, de vidro.

Tanto o motorista do taxi que me trouxe como o porteiro do prédio olharam-me enviesados, desconfiados, sem entender. Tiveram o bom senso de não perguntar nada. Não é todo dia que um senhor de cabelos brancos, de camiseta, bermuda, meias curtas, tênis, bolsa do Macchione a tiracolo empunhando uma espada de samurai, de vidro transparente, surge assim de repente. A cena e o protagonista da ação, chamavam atenção.

Fui ao ateliê de Aguilar para selecionar obras para exposição que estou organizando. Espero reunir 22 artistas. Saio dos anos 40 e chego aos anos 2001. Vi no chão do ateliê uma pintura enorme. De 11 metros por 2. Para a exposição do Ayrton Senna, na Pinacoteca a partir de primeiro de maio, no Ibirapuera. Vimos muitas pinturas. Muito grandes. Aguilar gosta de pintar com amplidão. Seu gesto é longo, vai longe.

Escolhi uma pintura de 1,60 por 2,20 metros. Da exposição Tantra Coisa (atenção revisão, é Tantra mesmo), The Naked Woman. Terminada a seleção Aguilar surpreendeu-me com um livro sobre a mostra. Um poema inspirado acompanha a Mulher Nua/. "A moça nua/narcisa/beija/as imagens/de seu corpo/ projetadas na/parade./Desejos coloridos /escorregam /molemente/da superfície/da tela." Depois de me entregar o livro falou: "Tem outra coisa para você. Há tempos esperava para lhe dar". De cima de um móvel sacou um katana, espada de samurai. Não era de aço. Era de vidro. Branco, transparente. No cabo, no punho bem dentro, traços de azul. Espada que ele criou. Fundiu. Em vidro. Espada que qualquer samurai teria recebido com orgulho. Respeito. Admiração. Recebi com humildade.

De modo geral não gosto dos presentes que recebo. A espada que Aguilar me deu encheu meu coração de alegria. Tinha a ver comigo. Com o Japão de minhas outras encarnações. Deslumbrei-me. Fiquei feliz. Alegre. Imagine só, espada de samurai. De vidro. O alfa e o ômega, Eros e Thanatos. Ying e Yang. Estava tudo ali. O que as pessoas viram ou pensam que viram quando cheguei, não tem o menor interesse. O que conta é que o que Aguilar viu. O que eu vi. Isso, só nós vimos. Mais ninguém.


abril/2001