Dix me fez lembrar...

Fui ver a exposição Lasar Segall-Otto Dix, Imagens da Guerra, no Museu de Arte Brasileira da FAAP. Fui com meu filho Gui, fotógrafo, navegador. Antes de mergulhar no sombrio universo de Segall e Dix, vimos a exposição Plástico- Formas e Cores dos Materiais Sintéticos, da coleção de Maria Pia Incuti, de Nápoles, Itália.Entre as peças expostas Gui encontrou um rádio da marca Fada igual ao que tem entre os objetos antigos e especiais que coleciona desde menino. Mas, o que nos chamou atenção de verdade foi uma luminária do russo Rodchenko, de 1925 . Construtivismo puro. Simplesmente bela.

Depois do mundo colorido do plástico, as imagens de Segall e especialmente as de Dix nos levaram para outras dimensões. Ao ver as gravuras de Dix lembrei de meu pai falando do artista alemão. Eu tinha nove anos. Foi a primeira vez que ouvi falar de Otto Dix. Havia amargura no relato de meu pai. Tristeza. Às vezes contava coisa da guerra. Da guerra de que participou como jovem tenente de cavalaria do Exército Austríaco. Falava pouco. Na verdade não gostava de lembrar.Combateu na França e na Rússia. Dix também lutou nessas duas frentes.

O relato de meu pai, que mais tarde ouvi nas escolas por que passei, pesava mais . Havia algo de heróico, de romântico no que me contava. Nas aulas só havia fatos, datas, mais nada. Era tudo de segunda, terceira, quarta, quinta mão. As proezas do Barão Vermelho e seu avião não aprendi em gibis. Ouvi narradas por meu pai. Com riqueza de detalhes. Sobre a morte de meu tio Karl, tenente de cavalaria na Batalha do Marne, na França , não gostava de falar.

Nos anos 80 li em Adieux Chevalerie do general francês Chambe a descrição da morte de meu tio . Coisa de filme de Guerra. Digna dos melhores filmes do gênero. Sem a crueza e o horror das gravuras de Dix mostra a guerra sob outro ângulo.

Ao se alistar como voluntário no Exército Alemão em 1914, Otto Dix tinha 22 anos. A guerra terminou em 1918. Só foi desmobilizado em 1919 . Viveu quatro anos nas trincheiras. Conviveu com a morte, dor, sofrimento, mutilação . Viu de perto os horrores e os desastres da guerra que Goya retratou, mas não viveu.

Há nas 50 gravuras de Dix a marca da guerra em sua total brutalidade. Fuzil na mão, na trincheira, sob o sol, a chuvas, a neve, o fogo dos canhões, das metralhadoras, os gases tóxicos, viu e viveu a guerra que matou dez milhões e feriu e mutilou vinte milhões de homens .

Os 74 desenhos de Lasar Segall revelam a guerra sob outra visão. Não se trata da Grande Guerra de 14 a 18. Referem-se à 2ª, a de 39 a 45. Se a trincheira foi para Dix o leitmotiv, o campo de concentração, foi para Segall o fio condutor. Sabia o que era ser prisioneiro. Enquanto durou a 1ª Grande Guerra , permanecera preso com outros russos em Meiseen.

Realizados entre 1940 e 43, muito antes do fim da guerra em 45, esses desenhos e aquarelas denominados Visões de Guerra, tristes, doloridos, sofridos antecipam o horror dos campos de concentração, da trágica visão das câmeras de gás, fornos crematórios, valas comuns, miséria, morte e dor que estarreceram o mundo. Dois artistas, duas visões, dois mundos. Um grito único.

Carlos von Schmidt
12/7/2002 18,45 horas