Corpo Coletivo?

Acho que Alex Flemming não precisava viver em Berlim, Alemanha para criar Body Builders. Poderia fazê-lo em qualquer bairro paulistano ou em Varginha. As imagens de corpos masculinos, captadas em fotos permitem-lhe trabalhar em qualquer lugar do mundo.

Quando Flemming chegou a Berlim, em 1991 o Muro não era mais ameaça. Quem lá esteve antes e depois, sabe disso. O peso que pairava sobre a cidade, havia desaparecido. Podia-se respirar. O matraquear das Tocarev das Kalachinov de ameaça, virou lembrança.

Hoje, aos pés do que restou do Muro, perto da Bradenburger Tor, porta de Bradenburg, pode-se comprar uniformes do exército da ex-União Soviética, condecorações soviéticas e alemãs, bandeiras dos dois países e de regimentos e uma quantidade enorme de objetos ligados a vida extra e intramuros.

Body Builders é de 2001. No dia em que fui ao Centro Cultural do Banco do Brasil ouvi várias pessoas se questinando sobre o que era Body Builders. Não havia ninguém para informar. Texto, nada. De modo geral quem fala inglês sabe.

Quem não sabe vai ficar sabendo. Body quer dizer corpo. Builder, construtor. Body Builders, construtores de corpo. Um Body Builder alguém que frequenta academias de ginástica afim de ganhar corpo, músculos, energia, força. Muita malhação, aparelhos, aeróbica fazem parte do dia-a-dia desses Body Builders.

Muitos recorrem a anabolizantes e outras drogas para ganhar massa muscular. Ganham, mas o cérebro continua minúsculo. Com isso não quero dizer que todo Body Builder é ignorante. Não é. Há os que além de cultuar o corpo, cultuam também o cérebro. Um Body Builder famoso foi Mishima, o escritor japonês. Há vários textos em que narra como se tranformou de um adolescente mirrado e frágil em um saudável e forte atleta.

Os corpos de que Flemming trata são corpos forjados, "construídos" nas academias. Corpos masculinos. De mulher, nem pensar. Para Flemming o corpo feminino com suas deliciosas curvas não é suporte digno para exibir um mapa de zonas conflagradas.

Os mamilos talvez interfiram na literatura. O volume dos seios, a suavidade de um ventre, a beleza de um triângulo pubiano, a arredondada sensualidade de uma bunda, podem perturbar a visão geral.

E tome homem pelado. Assexuado. Cortes providenciais transformam esses belos corpos em melífluos e dóceis eunucos. As imagens que trazem no peito, no torso, nas costas, são óbvias demais. A repetição, cansa. Frase e pensamentos escritos por Flemming, também. Como não são máximas, viram mínimas. Aqui, o coletivo, de coletivo, não tem nada. É muito individual. Particular.

Mas, a exposição curada por Ana Mae Barbosa felizmente não se restringiu as grandes imagens de Body Builders. Seria triste. O recado dos corpos secionados com os mapas colados, verdadeiras colagens, pois estão longe de parecer tatuagem, não me tocou. Deixou-me indiferente.

Há muito mais verdade nos rostos anônimos expostos permanentemente na área de embarque e desembarque da estação Sumaré do Metrô, do que nesses corpos em tecnicolor. Body Builders pode chamar a atenção pelo tamanho das imagens, pela técnica, mas não vai além disso.

Não há elucubração por mais profunda que seja sobre a globalização, guerras, conflitos, terrorismo que resista ao rosa flamingo. Muito menos ao amarelo cheguei. E a outras cores do gênero.

Sobre as poltronas com suas várias frases, não vou falar. Falou-se que se trata da ausência do corpo. Boa explicação para não explicar nada. Se houve ausência não foi de corpo. Foi de idéia de criatividade. Portanto...

Felizmente Corpo Coletivo não se resumiu a isso. Seria muito pobre. Natureza Morta, série de gravuras de 1978, denuncia a tortura no Brasil com contundência. Pinturas como o Anjo, Iemanjá Negra, São Jorge, São Miguel, de 1985 mostram um Flemming que é sempre bom ver. Justificam a visita. Estranhei a falta de informações técnicas sobre Body Builders. Pergunto, por que? Se elas existem para outras obras expostas, por que a discriminação?

Todos sabemos que monitora, monitor, guia, informa. Os do Banco do Brasil, não. Essa história de que o monitor "não vai lhe contar uma historinha. Ao contrário, ele vai pedir que você conte uma para ele" é de morrer de rir. Se o monitor, se a monitora não sabe informar a técnica que Flemming usou para realizar Body Builders, ou está orientado para não fazê-lo, alguma coisa está muito errada.

Não me parece que o Centro Cultural do Banco do Brasil é um laboratório em que se procura pesquisar técnicas de comunicação. "Uma rosa é uma rosa". Uma exposição é uma exposição. Quem vai ver uma exposição, não é cobaia. Tem direito à informação. Negá-la está fora de cogitação. Isso não existe.

Menos sensacionalista e ruidosa do que Resgate de Tunga, Corpo Coletivo de Alex Flemming em sua limpeza expositiva, deu-me a chance de ver a beleza da arquitetura interior do CCBB. Isso foi bom!

PS: Vi a exposição em uma tarde de terça-feira, 7 de agosto, logo que as portas se abriram. Meio dia. Aos poucos o número de visitantes aumentou. Quando sai, havia muita gente. O que não havia era o folder sobre a mostra. Nem o catálogo. Consegui um folder graças à gentileza da curadoria. Os outros ficaram a ver navios. Ou melhor, os corpos de Flemming.


Carlos von Schmidt/cvs 11/12 de agosto de 2001