Cobertores e alfaces
O pós-modernismo é a negação , é a contestação, é a não aceitação do pré-existente. É a implantação da tábula rasa.
É o não a tudo que já foi feito. O artista pós-moderno é um iconoclasta. Para ele tradição não existe. Não interessa-lhe
a opinião de Baudelaire que dizia que não há modernidade sem tradição. Afinal, Baudelaire era um poeta drogado, um crítico
de arte do século 19. Baudelaire, imaginem só???...
O artista pós-moderno além de não respeitar a tradição faz questão absoluta de deixar claro que nada é digno de ser
cultuado por ele. Nada, nada mesmo merece sua reverência. Penso nas últimas exposições que vi. Esse espírito parece
dominar. Nelas, houve e a há de tudo.
No Centro Cultural Banco do Brasil, sopas lembravam coloridas lavagens, cobertores de albergues, aqueles cinzas ,
fininhos, muito comuns debaixo dos viadutos do Brás, atapetavam o chão . Miséria e riqueza , reunidas. Cobertor de
pobre e mármore de rico.
Na Bienal dos 50 Anos, alfaces e trilhos . Essas instalações pretensamente de vanguarda, estão atrasadas na história ,
no tempo e no espaço, que pretendem contestar. Duchamp já as fez com muita propriedade e sem tanto barulho, há séculos!
Aliás, os cobertores do Banco do Brasil , o perfume de incenso, os caldeirões fumegantes, lembraram-me da Exposição
Internacional do Surrealismo na galeria Wildenstein de Paris, em l938. Duchamp pendurou sacos de carvão pela galeria.
A idéia era colocar l200 sacos e um braseiro debaixo. O seguro, claro, não permitiu as brasa. No lugar do braseiro Dali
colocou uma poça. As obras ficaram no escuro. Cada visitante para vê-las recebia de Man Ray uma lanterna à pilha. A luz
durava pouco. Cheiro forte de café dominava o espaço. Grãos de café eram torrados em um fogareiro elétrico. Tudo isso
aconteceu há 63 anos.
Nos fins da década de 30 Duchamp e seus companheiros surrealistas não deixaram barato. Hoje é difícil encontrar
instalações em que a influência desses " velhos rançosos " não seja visível.
Nossos vanguardeiros de plantão não se cansam de recorrer à fonte. Não à Fonte de l9l7, aquele urinol, mictório super
manjado. Mas, àquela em que todos bebem e negam.
Os artistas que fizeram o Modernismo nas três primeiras décadas do século 20, ao se rebelarem como Duchamp, tinham alvos
definidos, metas a alcansar. Objetivos claros. Explícitos.
Graças a isso o Cubismo, o Dadaísmo, o Surrealismo e outros ismos não se transformaram em herméticas propostas, restritas
a poucos e seletos escolhidos.
Os rebeldes deixaram claro a que vieram. Teoria e prática, prática e teoria caminharam juntas. Sem mistério.
Hoje a arte está cada vez mais na cabeça de quem a faz. Não na obra. Isso porque o cobertor, a alface, o trilho não têm
o brilho das idéias fulgurantes dos que as conceberam. Uma vez perguntaram a Schwitters o que era arte. Respondeu: " O
que não é ?" . Rauschenberg foi mais longe:" É arte porque eu digo que é ".Não é bem assim. Nem Deus teria essa
arrogância . Não basta o artista pensar e dizer que o que faz é Arte. Se a obra diz que não é , não tem jeito. Não é.
Carlos von Schmidt/CVS 28/5/2001
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