CARLOS VON SCHMIDT por CVS


Nasci em São Paulo em dezembro de 1929. 71 anos e continua sem juizo, diria minha avó Henriqueta. Capricorniano. No Japão um mestre zen disse-me que vivi lá, em outras encarnações. Fui monge, gueixa e ... samurai.

Cortei muitas cabeças. Ainda hoje, vendo essa sujeira que anda por aí, tenho vontade de cortar. Por outro lado sou gentil, amoroso. É meu lado gueixa. Bonobo. Macunaíma. Gosto muito de brincar como os bonobos. Com macaquinhas. Macaco quero longe de mim. Lá no galho dele.

Na Bahia, Salvador, em 59 em um terreiro do Rio Vermelho, a mãe-de-santo disse que sou filho de Xangô. Aquí, um catimbauzeiro informatizado disse que meu pai espiritual é Oxossi. Sei lá! Na dúvida fico com os dois mais Oxalá. Bom, falemos de "coisa séria".

Formei-me pela Universidade de Nancy III em História e Civilização Francesa. Já fui granjeiro, aeroviário e publicitário. As galinhas, os aviões e os cosméticos, (Avon chama...) os carros, (DKW.VEMAG, a qualidade justifica a fama) as maioneses, (Hellman´s, a verdadeira maionese) e sabonetes, refrigerantes, pães, desodorantes, meu Deus, quanta coisa, ensinaram-me muito. Principalmente, engolir sapos.

Para fugir desse universo em que a criatividade resumia-se em dados e estatísticas, em maior ou menor venda, sempre procurei na literatura, no cinema, no teatro, na música e nas artes plásticas, o oásis.

Em Jarinu, em Hakone ou Colônia, não importa em que lugar do mundo, as artes sempre deram-me momentos de harmonia, paz. Também de revolta, mal estar. Não suporto arte faz de conta. muito menos a crítica. Tanto uma como a outra é o que mais tem.

A coisa chegou a tal ponto que a obra de arte passou a ser secundária. Importante é o cenário. A meia luz, o escuro, em que "curadores" escondem o principal, a obra de arte. Não engulo essa história de que é preciso "dourar a pílula" para o povo. Precisa não!!! Isso é coisa de Disneyland. De personagem de história em quadrinhos, de Mickey Mouse e outros. Obra de arte não tem nada a ver com isso.

Não foi em Nancy que conheci Baudelaire. Foi na biblioteca de minha mãe, ex-aluna do Sacre Coeur de Marie. Adolescente já tinha lido Balzac, Zola, Hugo, Maupassant, Flaubert e Stendhal. Achei Madame Bovary fabuloso. Mas, me amarrava mesmo nos contos de Maupassant.

Com Baudelaire aprendi que a sensibilidade é condição sine qua non, primeira, para qualquer aproximação à arte. É básico, é fundamental que exista. Se não houver, desista.

Voltarei ao assunto. No inicio dos anos 70 fui procurado por Carlos Vergueiro da novíssima TV Cultura. Do nosso contato resultou um programa que denominei Artes no Brasil. Fiz e apresentei 33 programas de meia hora. Comecei com Tarsila, Goeldi, Di, Anita, Portinari, Brecheret. 27 outros, vieram depois. Em 85 produzi mais 11, para a TV Capital de Brasília. Meu contato com a televisão nos anos 60 foi produzindo comerciais. Fiz mais de 150. Muitos filmados em estúdio, na Jota Filmes. Em 63 fiz um documentário, um curta em 16 milimetros, Bienal 63. A melhor coisa do filme é o trecho da série Minha Mãe Morrendo, de Flávio de Carvalho. Quando Flávio viu as imagens, as fusões, os cortes, os zoons, levou um susto.: "Foi assim que vi minha mâe morrer" disse. Naquele momento compreendi que filmar sabonete, pão Pullman, tinha servido para alguma coisa. O texto de abertura, de Laïs Moura, minha ex-mulher, também é muito bom.

De 1969 a 79 dirigi o Museu de Arte Brasileira da FAAP. Tudo era muito precário, mas fiz exposições significativas como a de Brecheret, quando levei praticamente todas as esculturas das praças da cidade para o museu. Deu muito que falar. Outras importantes foram as de Anita Malfatti, Ismael Nery, então jogado às traças.

Em novembro de 1965, dia 12, Pietro Maria Bardi abriu as portas do Museu de Arte de São Paulo, MASP, na rua 7 de abril, 230, antiga sede dos Diários Associados, para o lançamento do jornal artes:. Foi a primeira vez que um jornal dedicado às artes, foi lançado em um museu. O jornal virou revista, voltou a ser jornal, e hoje em ocasiôes especiais como a exposição Picasso - Anos de Guerra, realizada no MASP em 99, circula em edição extra, especial.

Acredito que dos senhores que se dizem críticos de arte sou talvez o único que viu a 1a Bienal Internacional de São Paulo, no Trianon da avenida Paulista. Um barracão de madeira. Tudo muito precário e improvisado. A 2a em 53, a que teve a Guernica de Picasso, foi no prédio em que funcionava o Prodam. Foi lá que vi Guernica pela primeira vez. Mademoiselles d´Avignon não veio. Havia quem jurasse que viu a pintura no Ibirapuera. Delírio. Alucinação, ou desinformação. A sala Picasso tinha, com a Guernica, 75 obras. Um arrazo!!! Meu primeiro contato profissional com a Bienal foi em 1959 quando Lina Bardi chamou-me para administrar o Pavilhão da Bahia, sob a marquise, onde hoje está o MAM. Aliás, o MAM instalou-se no espaço adaptado e criado para abrigar a mostra baiana.

A cada Bienal cobria o evento para o artes:. Assim foi até 1978 quando fui chamado para a 1a Bienal Latino-Americana. A coisa estava feia. Cuidei da Latino-Americana. Mas, o destino da mostra estava traçado. Não havia interesse em dar continuidade à ela. Morreu de morte matada. Assassinada. Até hoje descansa em paz. A espera de alguém com bom senso e visão suficiente para ressuscitá-la.

Em 79, fui indicado para a curadoria geral da 15a Bienal Internacional de São Paulo. Dinheiro não havia. A esquerda local e do exterior boicotava a Bienal. A solução foi trazer obras de artistas premiados nas bienais anteriores. Nos bastidores as baixarias faziam parte do dia-a-dia. Se em Elsinor havia algo de podre, na Bienal nem se fala. Shakespeare teria no Ibirapuera, às margens do fétido córrego do Sapateiro, um prato cheio. Ou melhor, um banquete para muitos talheres.

Dez anos mais tarde, em 89 fui indicado para a curadoria internacional da 20a Bienal Internacional de São Paulo. Afinal conhecia a América Latina, a Europa, os Estados Unidos. Desde os anos 50. Não era um parvenu, um paraquedista. Mantinha, como mantenho até hoje, contato com críticos e curadores importantes desses países. Dispunha de U$100 mil dólares. Com esse dinheiro foi possível trazer Stela, Hockney, Hamilton, Ives Klein, e outros, além de críticos, jornalistas e designers dos Estados Unidos, Japão, Europa, América Latina. Hoje só se fala em milhões de dólares.

Da Bienal para cá, tenho me dedicado a escrever, (Escrevi e publiquei Na Cama com Picasso, editora artes/digital, 1997.

Prefaciei e coordenei e selecionei os artistas de Cozinha de Artista, Rede das Artes, 1985) edito jornais, viajo, vivo. Fui ao Japão, à Europa, e passei o fim do século em Ushuaia, às margens do Canal de Beagle, na Patagônia, Argentina.

Estou produzindo e editando desde abril de 94 o Villaboim News. O Madalena desde abril de 2000. No momento estou visitando ateliês de artistas para seleção de obras que vou apresentar na exposição Arte Hoje que inaugurará a Arvani Arte, novo espaço cultural e artístico na rua Oscar Freire 540. O contato com os artistas tem sido tão bom, revigorante como o Biotônico Fontoura que tomava na infância.

Carlos von Schmidt

maio/2001


Faleceu em fevereiro de 2010 em São Paulo - SP - Brasil