Abstratos. Além da Tela

Até 1910 o abstracionismo não existia. Ninguém o assumia oficialmente. Sabe-se que desde a Renascença Michelangelo se referia à manchas na parede, nuvens no céu, mas não foi além. É surpreendente que do século 16 ao século 20 recém terminado, praticamente 400 anos, ninguém tenha se preocupado com a abstração.

A História da Arte conta que o russo Wassily Kandinsky, (1866-1944) é o pai da pintura abstrata. O parto foi em 1910, em Munique, na Alemanha. O filho nasceu por acaso. Há duas versões de como a criança veio à luz.

A primeira diz que raios de sol passando pela vidraça projetaram sombras na parede e no chão do ateliê. Foi quando Kandinsky teve o estalo de Vieira. Em linguagem contemporânea teve um insight.

A segunda menos poética, mais prosaica, mais real, conta que Kandinsky ao ver no chão, ao lado de seus quadro, roupas femininas, saia, anágua, calcinha, jogadas a esmo, teve a revelação.

Prefiro uma terceira, o sol passando pela vidraça, projetando sombras nas paredes e sobre a roupa da modelo. Não há como confirmar tudo isso, mas se não è vero è benne trovato. Acrescenta a primeira pintura abstrata, Aquarela um toque feminino muito bem vindo à sisuda arte alemã do início do século.

Nascida a criança Kandinsky, pos a boca no mundo. Dois anos depois escreveu um livro, Do Espiritual na Arte. Assim, ninguém poderia questionar a paternidade. Questionaram. Mas, essa é outra história.

De 1910 a 1917 a pintura abstrata de Kandisnsky e de seus seguidores não foi contestada. Até que em Amsterdã, na Holanda, Pieter Mondrian disse não. Na revista De Stijl, O Estilo, de van Doesburg que o Neo-Plasticismo era o máximo. O supra sumo da não figuração. Mondrian afirmou.

O que é o Neo-Plasticismo? Para Mondrian era a doutrina plástica pura. Filha do Cubismo. Seu universo compôem-se de ângulos retos em posição vertical ou horizontal. Só considera três cores primárias, vermelho, amarelo e azul. As não cores, branco, preto e cinza também são levadas em conta.

A pintura de Mondrian comparada a de Kandinsky é ascética. Pode-se dizer apolínea. A de Kandisnsky é Dionisio puro.

Os 21 artistas que reunimos nesta exposição a rigor não são abstratos. São, respeitando-se a ordem estabelecida pela História da Arte, não figurativos. Abstratos ou não figurativos pouco importa a catalogação. O que conta é o que está nas telas.

Aqui temos praticamente todas as vertentes da abstração, do não figurativo. O percurso é longo. Vai de Kandinsky a Pollock, de Mondrian a Delaunay e Nicholson. Os caminhos são muitos e múltiplos.

Em documentário que vi recentemente sobre Kandinsky pude observar em várias telas abstratas, elementos figurativos. Figuras humanas e de animais. Em Parade na Oca também pude constatar o mesmo. O que Kandinsky quis dizer com isso??? Será que a abstração não foi suficiente para expressar o que queria? Ou a inclusão de figuras antropomorfas abria um leque que cada vez está mais amplo? A segunda possibilidade é mais plausível, verossímel. Isso é bom? Ruim? Depende única e exclusivamente do artista.

P.S.: A exposição Abstratos-Além da Tela terá vernissage dia 12, terça-feira, às 20 horas na Nova André Galeria, Rua Estados Unidos 2280 (São Paulo-SP).


Carlos von Schmidt/CvS 17/2/2002