A bienal das mensagens
Jarbas Lopes Cicloviaerea
Sábado, 9, finalmente fui à Bienal. Depois de percorrer o térreo e os três andares, com os fantasmas de outras a me assombrarem, inclusive os das em que estive envolvido, como repórter deste jornal e revista, crítico e curador, me perguntei: "o que esta bienal significa para esse público, de modo geral alheio a exposições, a museus, galerias, desinformado, totalmente despreparado?"
Vi as pessoas circulando, andando como em parques de diversões. Com uma diferença, nos parques sabem o que é a Roda Gigante, o Carrossel e para que servem. Têm intimidade com aquelas e outras máquinas.
Na Bienal, não. O desconhecido domina. Nada é familiar. Habitual. Cotidiano. Então, andam. Sem parar. Curiosos às vezes param. Mas não se dão ao trabalho de ler as informações sobre as obras. Passam como pássaros, voando, por cima.
Não vou dizer que não vi ninguém atento a uma obra. Vi sim. Vi pessoas olhando com atenção o vestido de noiva da Daspu, rindo da cauda de toalhas de motéis. Um achado. Vale por mil mensagens.
Observando e comentado as camisetas e outras roupetas criadas por essas "mulheres da vida". Por essas mulheres "de vida fácil". Fácil? Ô lôco seu!!!
Não sei quem teve a idéia genial de criar a Daspu. Ora, se existe a Daslu, por que não a Daspu. Embora ambas freqüentem as mesmas páginas policiais, ninguém jamais confundirá a babilônica e milionária Daslu com a pé de chinelo e rastaquera Daspu.
A briga pelo nome é ridícula. Tudo que se disser não passará de exercício acadêmico e jurídico. Surrealismo puro. Digno de Dalí.
De tudo que vi nesta Bienal, esta instalação denominada Code Red, de Tadej Pogacar foi o que mais me chamou à atenção.
A Daslu dificilmente inspirará, motivará uma instalação como a que a Daspu provocou. O humor e a ironia estão presentes em frases como "as mulheres perdidas são as mais procuradas" e outras do mesmo gênero em camisetas.
Em uma delas uma xilo de Segall dos anos 20, da série Mangue, mostra um casal se beijando. Na rua. Hoje isso é comum. Nos ano 20 era coisa de zona. Naqueles anos homem beijar mulher na rua na frente de todos, era sacanagem. Coisa de cara sem vergonha, de puta. Hoje, não. Liberou-se o beijo.
Daspu à parte, todo semiotiquês, socioliquês, antropoliquês falado pela maioria das obras, não me tocou. Não me disse nada. Com certeza a falha é minha. Baudelaire dizia que a genialidade de cada um depende da sensibilidade. A minha sensibilidade deve estar a zero. A falha não é das obras. Plenas de mensagens, denúncias, pronunciamentos, manifestos, acusações, etc e tal.
É minha. McLuhan nos anos 60 não dizia que "o meio era a mensagem" ? Então? Como que o senhor que é "uma puta velha" da arte não sacou as mensagens? Arte sem mensagem é para o Matisse que gostava de ficar refestelado em poltrona fofa olhando as odaliscas na parede. Arte tem que ser engajada. Ter mensagem.
Com tanta mensagem para cá, mensagem para lá, lembrei de um fato ocorrido com Ionesco. Um jornalista perguntou-lhe qual era a mensagem de A Cantora Careca? "
"Mensagem? Respondeu: "é melhor o senhor procurar com o carteiro".
A 27ª Bienal seria muito mais interessante se ao lado de cada obra estivesse um carteiro devidamente uniformizado entregando as mensagens.
Centenas de carteiros em seus uniformes amarelos, montados em motos amarelas entregando como robôs, mensagens sem fim. Subindo e descendo pelas rampas.
Imaginem vários carteiros entrando, subindo pela escada da grande bolha, descendo rápidos, curvados, abaixados, saindo pelo corredor de plástico, entregando mensagens para os espectadores ansiosos.
Ou no 2º andar, em cima da grande mesa jogando fresco ball com os pães, com todo cuidado para não deixar as bandeirinhas caírem, ao mesmo tempo em que distribuíam mensagens sobre "o pão nosso de cada dia" e a fome no terceiro mundo.
Grupos alegres de carteiros em seus álacres uniformes amarelos ao lado das inigualáveis e únicas bicicletas procurariam explicar porque muitas das bicicletas estavam como que abandonadas, perdidas, como as mulheres das Daspu, mas ao contrário delas, sem ninguém procurar.
Sobre a primeira delas no térreo,sem informação, sem nada, ouvi um comentário, "vai ver que o artista não está participando e deixou-a ai como aquele que deixou uma pintura em uma bienal passada". Impossível? Não!
Nos outros andares algumas bicicletas, cada uma com sua tecedura em vime, com ficha técnica, permitiu-me identificar quem era o artista. Jarbas Lopes, do Rio. Nesse mar de mensagens barrocas, gongóricas, metafóricas, paradigmáticas, as bicicletas de Lopes sobressaem-se pela clareza da linguagem e simplicidade da proposta.
Aqui, dispensam–se os carteiros. Não são necessários. Porém, sem eles como interpretar o diálogo entre livros de Derida, Deleuze, Foucault e Bataille e marretas, pregos, parafusos e próteses mãos, braços, pernas e pés. Urgente. Carteiros, por favor, me ajudem.
São Paulo 13 de dezembro, de 2006 20H10’ 4 dias antes do término da 27ª Bienal Posted by Carlos von Schmidt
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