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ALDEMIR MARTINS:
Um Artista Brasileiro


"Falar de Aldemir Martins é como falar do nosso dia a dia. A sua figura, o seu nome e a sua obra de domínio público.

Eu o conheci por volta de 1964, quando ele estava realizando uma exposição em Blumenau, Santa Catarina. Já naquela época era um profissional consciente da trajetória que iria seguir. O profissionalismo de Aldemir me inspirou e desde então o aplico em meu trabalho como diretor da Galeria de Arte André há mais de trinta anos.

Conhecido de norte a sul do país e de memória invejável, seriam necessários alguns livros para contar as centenas de histórias que Aldemir tem acumulado nos seus mais de cinqüenta anos de carreira. Este ano, lembra Aldemir com empolgação, quando viajava de Londrina para Maringá, no Paraná, onde realizaria uma exposição individual, parou para almoçar em um restaurante de estrada e ficou surpreso que seu proprietário não só o reconheceu mas também tinha algumas histórias para compartilhar.

Há mais de cinqüenta anos Aldemir pinta o Brasil. Seu traço, seus tons vibrantes, temáticas inconfundíveis e inspiradas no nordeste brasileiro definem a obra de um homem que ama a sua terra e a traduz com amor e arte. Seus temas já fazem parte de seu inconsciente; ele os manipula, os interpreta cada vez com uma visão, por um ângulo diferente. Suas praias e marinhas agressivas e ao mesmo tempo acolhedoras tem a intensidade da luz do momento, às vezes o frescor da manha, ou o tórrido calor das tardes com o sol calcinante. As flores tem sua cor brasileira, seus matizes de sombra e luz, suas formas exóticas e rústicas. Nas frutas podemos observar se estão maduras. Gatos de porte nobre e delicados, nos seus olhos a sua personalidade, as vezes orgulhosos, infantis, ternos e até arrogantes. Suas figuras ossudas, de cortes rasos e secos sob nuances de cor, como disfarces contra a realidade agreste dos sertões. Sua obra sempre esteve casada com seu chão, sua terra e suas origens, fiel à sua cultura.

É com essa eterna renovação que apresentamos 45 telas produzidas exclusivamente para esta exposição. Nesta mostra, além das temáticas preferidas de Aldemir - frutas, gato, flores, pássaro, peixe - temos também suas novas paisagens e marinhas que ele vem produzindo recentemente.

A realização de mais uma mostra de Aldemir Martins nos traz enorme satisfação, pois ele faz parte de nosso trabalho, e assim como ele, nós amamos o que fazemos."

Hélio Alves Neves
Diretor Executivo da Galeria André.



ALDEMIR MARTINS:
O Sonho - arte de um brasileiro


O marco de vinte e três anos vividos no Ceará acompanha o trabalho deste artista que ao retratar através da estamparia, da cerâmica, da gravura, da pintura, do desenho e da ilustração, traz à tona a sua sede de nordeste, que só se sacia na arte de reproduzir a estática da seca, em traços que refletem a energia do homem dentro do complexo da nacionalidade verde-amarela:
- Fui um dos primeiros artistas a promover uma verdadeira campanha nacionalista através do uso das cores de nossas divisas na pintura. Retratando com pinceis os aspectos mais folclóricos do Brasil, pelo qual se confessa visceralmente apaixonado, Aldemir Martins, além de reavivar internamente as nuances do país, é hoje um dos maiores responsáveis pelo reconhecimento da arte brasileira no exterior, onde por diversas vezes a representou.

Tido como um dos maiores paisagistas dentro do panorama da cultura nacional e internacional, Aldemir Martins desde criança sonhava tornar-se um artista plástico:
- Naquela época eu já tinha o senso da singularidade e percebia que o meu destino era o da arte.

Apesar de manifestar precocemente o seu desejo profissional, Aldemir Martins precisou impor a sua vocação:
- Contrariei os desejos de meu pai que insistia para que eu me tornasse funcionário público, ou ainda, me graduasse como doutor.
- Autodidata por excelência, lembra-se ainda que, aos onze anos, ao procurar os serviços de uma professora de pintura, a Dona Mundica, é por ela alertado: - Abandone essa idéia de ser pintor, você não leva o menor jeito para isso.

E somente pintor ele reconhecia que não queria ser:
- Existe uma grande diferença de trabalho entre quem apenas pinta, para aquele que cria.

A partir de então, decide seguir seus estudos, solitariamente, na região do cangaço onde, pelas próprias circunstâncias ambientais, reinava a lei dos mais fortes que afirmava: a pintura é uma habilidade supérflua para um homem. Consciente de suas reais necessidades, Aldemir Martins espera terminar o serviço militar, onde serviu como cabo-pintor, para poder se dedicar plenamente ao oficio que escolheu. Pensando nisso resolve procurar trabalho no sul do país, dirigindo-se primeiramente à antiga capital federal, onde se decepciona por não se identificar com as concepções de vida das pessoas e constatar ainda, a falta de expectativas profissionais.
- O Rio na década de 40 produzia muitas festas e poucos trabalhos. Apesar disso, o cearense não voltou para sua terra natal. Incentivado pelo amigo Paulo Emilio de Sales Gomes muda-se para São Paulo, onde vem a encontrar amizades duradouras e impulso para lançar-se definitivamente na arte.
- As primeiras pessoas, com quem me relacionei em São Paulo, foram as responsáveis pela abertura das portas para o meu atual sucesso profissional. Apaixonado pela capital paulista, Aldemir Martins admite que hoje só a trocaria por outras duas: Fortaleza ou Nova Iorque. A primeira por laços afetivos e a segunda por estar habituado a morar em uma metrópole.
-São Paulo aglomera vários modos de vida que se expressam na busca da identidade dos imigrantes e migrantes que aqui mantém, através de seus usos e costumes, o elo principal com suas origens.

Crítico de seu tempo, Aldemir Martins se aborrece ao sentir a falta de informações sobre o Brasil nos cadernos de cultura da imprensa brasileira:
- É uma incoerência esse negócio de "dark", isso é coisa dos ingleses. É preciso que os jovens percebam que estão dentro de um complexo tropical. Aliás, os filhos dos anos 60 têm pouca informação sobre estas paisagens e, se analisarmos bem, a única geração que restou para contar o Brasil é a de 20.

Mas, longe de apenas racionalizar sobre os problemas relativos à intelectualidade brasileira, Aldemir Martins quando não está trabalhando pára, assiste a uma partida de futebol ou a uma luta de boxe - esporte que aprecia. Quando não, fica em casa assistindo televisão ou ainda, recebendo visitas de seus amigos:
-A minha casa é um porto onde firmo minhas âncoras. Cansado das festas - que só freqüenta se for a de um amigo muito especial: "Não tenho mais paciência para badalações", Aldemir Martins porém, não esquece de suas noites de boemia que relembra, nostalgicamente, através da musica dos anos 50: A orquestra de GLEN Muller e os boleros, de preferência os cantados por Elvira Rios.

Acostumado a ler: "Não sou leitor, sou ledor (aquele que lê muito)", coleciona revistas sobre arquitetura, decoração, moda e atualidades, além de mantém em seu atelier uma biblioteca com mais de 3600 títulos sobre arte. Escritores? "Guimarães Rosa e Mário de Andrade por retratarem genuinamente o Brasil".

A decoração do espaço de trabalho que produz, obedece ao interesse que nutre pela terra do pau-brasil. São objetos de vários materiais, formatos e cores que, reunidos, ilustram a própria antropologia cultural brasileira.

Preocupado em retratar em suas telas as paisagens que vislumbra ao viajar pelo Brasil, Aldemir Martins acabou por se tornar um conhecedor da geografia brasileira, devido ao seu costume de captar "in loco" as imagens que utiliza em seu trabalho. A série pau-de-arara, rendeiras e cangaceiros surgiu de uma pesquisa que realizou durante uma viagem de onze dias em um caminhão pau-de-arara.

Observador, sorriso largo e generoso que se fecha ao lembrar-se do destino das pessoas que sobrevivem sem recursos, Aldemir Martins expressa ainda sua sensibilidade pela poesia. Mas é na confecção de seus quadros que o artista plástico encontra a maneira de personificar as suas necessidades humanas, que se refletem na liberdade que dá às suas obras a ultima pincelada.
- Não me preocupo com o destino que é dado às minhas obras. É como se fossem meus filhos que, após atingirem a sua autonomia, respondem por si mesmos.

Autor de inúmeras obras premiadas no Brasil e no exterior, Aldemir Martins não impõe pressa às suas atividades. A sua preocupação maior é com a qualidade. Bem-humorado e falante, conhece as pessoas e viaja, constantemente, em busca dos movimentos do homem e da natureza que, radiografados em seus trabalhos, refletem a sua paixão por ambos e conseqüentemente pela vida.

Tendo abandonado há vinte anos a pintura a óleo pela acrílica, devido a sua insistência ao pintar, a postura de Aldemir Martins não poderia ser outra, visto que atualmente em função dos inúmeros pedidos de trabalho que tem recebido - produz uma media de vinte quadros mensais - não teria, além sua predisposição, tempo de participar de sua arte depois de seu atelier. Para tanto, Aldemir Martins conta com uma assessoria integral para o acompanhamento de seu trabalho. São pessoas escolhidas criteriosamente, pelo artista, para que se envolvam com sua arte. Internamente, são as pessoas responsáveis pelo contato do artista com o mundo, quando se encontra absorto em seu trabalho. Fora do atelier, Aldemir Martins tem muita cautela e uma preferência ao entregar a representação se seus trabalhos na mão de alguém:
- Só consigo trabalhar com pessoas pelas quais nutro confiança. É uma questão de comportamento, desta forma me sinto melhor trabalhando com marchands femininas, pois estas não invejam a minha produção, mantém no máximo uma atitude de ciúmes, o que para o meu trabalho se traduz de uma forma extremamente positiva, pois canalizo este sentimento que recebo como um fator de incentivo para a minha produção.

Constantemente preocupado em se aperfeiçoar, Aldemir Martins (não é um artista que apesar de ter o seu nome consagrado abandone o aprimoramento de seu trabalho) em seu processo de criação identifica cada nova tela como uma seqüência da anterior e nem tanto pela temática, mas pela técnica que aprimora dentro de um aprendizado prático: Um quadro é sempre a continuidade do outro. Quantos mais faço mais os elaboro. São linhas e vãos, que analisados refletem uma sucessão de meus trabalhos, que têm como meta a de criar uma arte bonita que agrade o sentido da visão.

Amante da liberdade e das artes, a palavra independência guia o caminho deste homem que, na sua leitura de vida, sabe o que deseja e a partir daí a coerência de seu contato com a tela:
-A pintura é entre todas as artes umas das que mais garante autonomia de trabalho a quem a executa. Tomemos, como exemplo, o balé: Para que este seja apresentado é necessário à presença de outros elementos além da própria dança: são precisos recursos sonoros, de iluminação e outros. Já na pintura sou eu, a tinta, o pincel e a tela em um trabalho que divido em duas etapas básicas: o trabalho intelectual e o braçal. Um se refere à elaboração de idéias e o outro à concretização do que foi concebido na imaginação. Neste processo, a criação torna o homem semelhante a deus.

Apesar do aspecto divino que imprime em seu trabalho o artista não se distancia da realidade cotidiana que enfrenta, como um homem comum, dentro da sociedade. Politicamente Aldemir Martins é uma pessoa fiel ao PMDB - partido que acompanha desde a sua fundação, no final da década de 60 e pelo qual se identifica com suas propostas, para a melhoria do país que socialmente se encontra subdesenvolvido.
-Como levar a arte para um povo que na sua grande maioria não tem poder aquisitivo para freqüentar um evento cultural? Ou melhor, como promover eventos artísticos para um grande número de pessoas se a população vive sob a ideologia da fome, não lhe sobrando recursos suficientes para de alguma forma aumentar o seu repertório cultural?

Mesmo sob as condições gerais em que se encontra o país e sem preconceitos contra a cultura de mesas, Aldemir Martins já popularizou o seu nome e seu trabalho quando, dentro de uma enorme campanha publicitária, ilustrou as embalagens de latas de sorvete para uma respeitada industria de alimentos e para o deleite dos consumidores. Já para atender os compradores da arte intermediaria, Aldemir Martins, juntamente com seu amigo Marcelo Grassmam, foram os primeiros gravadores a comercializar seus trabalhos no Brasil, numa época em que as gravuras não eram numeradas devido à pouca saída que tinham no mercado. De viagem marcada para Cuba, onde participará como convidado especial da 2a Bienal de Havana'86 e levando consigo uma série de cinco quadros especialmente criados para o evento, Aldemir Martins se vê hoje, aos 64 anos, plenamente amadurecido em relação à vida e com muitas metas a cumprir:
- Se me perguntassem hoje qual a idade que eu gostaria de ter, com certeza seria na faixa de trinta/quarenta anos, pois já teria estrutura suficiente para dar continuidade aos projetos que hoje venho realizando. Mas, o mais interessante nisso tudo é o processo de amadurecimento das pessoas que eu encaro como algo muito especial mas que, infelizmente, a atualidade ignora em contraposição aos povos antigos, que valorizavam as pessoas em função do tempo vivido, e conseqüentemente a experiência acumulada.

Segundo Aldemir Martins falta ainda para as pessoas uma qualidade vital que, aliada ao criar, faz com que as pessoas vivam melhor:
- Saber rir e rir muito.

Angélica Kenes Nikoletti
Revista "Lead" Turismo, Cultura e Lazer. Ano 1 - N 1



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